Introdução

O caso do petroleo brasileiro prende-se ao caso do petroleo em geral. Esse produto é o sangue da terra; é a alma da industria moderna; é o segredo da riqueza dos grandes países; é a eficiencia do poder militar; é a soberania; é a dominação. Te-lo, é ter o “Sesamo, abre-te” de todas as portas. Não te-lo, é ser escravo. Daí a furia moderna na luta pelo petroleo. O livro de Essad Bey revela tudo isso do modo mais impressionante [1].

A base do poder dos Estados Unidos está sobretudo no petroleo. Arrancam do seio da terra quasi um bilhão de barris por ano, na maior parte consumidos lá — e nossa imaginação tonteia ao calcular o que tamanha onda de oleo, transfeita em energia mecanica, representa para a economía daquele povo.

”Qui aura le pétrole aura l'Empire”, escreveu Henry Bérenger na nota diplomatica que em 1928 endereçou a Clemenceau, nas vesperas da conferencia franco-britanica sobre o futuro do mundo. ”Imperio dos mares por meio dos petroleos pesados; imperio dos ceus por meio das essencias leves; imperio dos continentes por meio da gazolina. E imperio do mundo por meio do poder financeiro desse produto mais precioso, mais envolvente e mais dominador do planeta do que o proprio ouro”.

Na “Luta Mundial pelo Petroleo”. La Tramerye comenta assim as palavras de Berenger: “Povo possuidor desse precioso combustivel verá os milhões possuidos pelo resto do mundo afluirem para os seus cofres. Os navios das outras nações não poderão circular sem recorrer aos seus depositos de petroleo. Esse país que creie uma frota possante e ei-lo senhor dos mares. Ora, o povo que domina os mares arrecada taxas do resto do mundo. Industrias novas se desenvolvem em torno dos seus portos. Seus bancos se tornam os orgãos dos pagamentos internacionaes. Rapidamente o mercado regulador do credito se desloca. Foi o que sucedeu no seculo dezoito quando o desenvolvimento da marinha inglesa deslocou de Amsterdam para Londres o eixo da hegemonia financeira. Com o surto do petroleo os homens de estado britanicos inquietaram-se; o eixo começava a deslocar-se para New York.

Dai a luta tremenda entre a Inglaterra e os Estados Unidos para a posse de reservas do precioso oleo.

Elliot Alves, chefe da “British Oilfields” que o governo inglês organizou para lutar contra a Standard Oil Company, disse: O país que dominar pelo petroleo dominará tambem o comercio do mundo. Exercitos, marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras de nada valerão diante da falta de petroleo.

A Grande Guerra provou essa afirmação!

Por que é o petroleo a força imensa ante a qual o mundo inteiro se inclina? Simplesmente porque a base fundamental da vida industrial moderna repousa no combustivel”.

 

O grande combustivel já foi a hulha. Hoje é o petroleo. Eis tudo. O petroleo tem sobre o carvão vantagens enormes. Extração muito mais facil. Um poço custa algumas centenas de contos; a instalação duma mina carbonifera fica em milhões. O petroleo, uma vez aberto o poço, jorra, isto é, minera-se por si mesmo, ou é extraido por meio de bombas. A refinação pode ser feita in loco ou a mil leguas de distancia. As despesas da refinagem são minimas quando operada em grande vulto. O pessoal necessario tambem é minimo. Isso põe a industria do petroleo a salvo das crises operarias inevitaveis nas industrias exigidoras de verdadeiros exercitos de homens — como a do carvão.

Transporte facilimo. O petroleo caminha em terra por dentro de oleodutos — como a agua encanada. O varejo é abastecido a granel por meio de carros e autos-tanques ou em tambores e latas. Circula sobre os mares em navios tanques. As bombas de gazolina o distribuem pelos consumidores em todas as estradas de rodagem do mundo.

Tais e tantas são as vantagens do petroleo que o fedorento sangue da terra passou a ser o sangue da industria, das finanças, do poder e da soberania dos povos. Só agora começamos a abrir os olhos e a compreender isso. Por que se conservou o Brasil de olhos fechados por tanto tempo?

Por uma razão muito simples. O petroleo está hoje praticamente monopolizado por dois imensos trusts, a Standard Oil e a Royal Dutch & Shell — Rockefeller e Deterding. Como dominaram o petroleo, dominaram tambem as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro; e como dominaram o dinheiro, dominaram tambem os governos e as maquinas administrativas. Essa rede de dominação constitue o que chamamos os Interesses Ocultos.

O Brasil, com o seu imenso territorio marcado em mil pontos de indicios de petroleo, constituia um perigo para esses trusts. Gustav Grossman, um geologo que estudou secretamente as nossas possibilidades petroliferas, escreveu na conclusão dum seu relatorio reservado, feito por conta e para uso dum desses trusts: Dada a sua area, a quantidade de petroleo do Brasil talvez seja maior que a de qualquer outro país do mundo [2].

Ora, se era assim, o negocio dos trusts tinha de ser acaparar todas as terras potencialmente petroliferas do Brasil e tambem catequiza-lo, convence-lo de que em seus oito milhões e pico de quilometros quadrados haveria tudo, menos petroleo.

 

Esses trusts nos conhecem. Sabem que o brasileiro é uma especie de criança tonta que realmente só se interessa por jogo, farra, carnavais e anedotas fesceninas. Sabem que o Brasil não dá a minima importancia ao estudo, havendo até inventado um “sistema de aprender” totalmente novo no mundo: ciencia por decreto. Por causa dumas gripes, os meninos que não puderam estudar as materias do curso — fisica, geometria, quimica ou o que fosse — receberam autorização para “requerer exames”, isto é, pedir que o Governo atestasse que eles sabiam as ciencias não estudadas...

Os trusts estão ao par de tudo neste nosso maravilhoso país. Sabem que o lavrador colhe café e o Governo o queima aos milhões de sacas, para manter o “equilibrio estatistico” — coisa que ninguem percebe o que é, nem trata de perceber. O brasileiro impressiona-se profundamente com o que não percebe. “Economia dirigida”, por exemplo, Ninguem entende isso — e porisso mesmo a “economia dirigida” do Ministerio da Agricultura vai fazendo carreira. Depois de haver demonstrado, da maneira mais absoluta, a sua inepcia para dirigir com eficiencia as coisas mais elementares, como seja uma estrada de ferro, o Governo arregaça as mangas para “fazer economia dirigida”, isto é, transformar a complexa economia da nação numa vasta Central do Brasil.

Os trusts sabem de tudo e sorriem lá entre si. Sabem que a partir de 1930 o brasileiro cada vez menos se utiliza do cerebro para pensar, como fazem todos os povos. Sabem que os nossos estadistas dos ultimos tempos positivamente pensam com outros orgãos que não o cerebro — com o cal- canhar, com o cotovelo, com certos pendurucalhos — raramente com os miolos. Daí o desmantelo cada vez maior da administração publica; daí a bancarrota, a miseria horrível do povo. A miseria é tanta em certas zonas que a grande massa da população rural já está perdendo a forma humana. Ha povoados inteiros de papudos — e aqui e ali surgem as primeiras criaturas de rabo. Involução darwinica. Degenerescencia física por miseria fisiologica não observada nem entre os chineses.

Os trusts sabem disso e sorriem. E lá entre si combinaram:

— Nada mais facil do que botar um tapa-olho nessa gentinha. Com um bom tapa-olho, eles, que vegetam de cocaras sobre um oceano de petroleo, ficarão a vida inteira a comprar o petroleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras potencialmente petroliferas, para as termos como reservas futuras. Quando nossos atuais campos se esgotarem, então exploraremos os “nossos” campos do Brasil.

Resolvido isso, nada mais facil que a execução — e os Interesses Ocultos entraram a agir. A primeira coisa a fazer estava em “orientar” os orgãos tecnicos da administração; esses orgãos tecnicos por sua vez conduziriam os ministros pelo nariz; os quais ministros conduziriam os presidentes; os quais presidentes conduziriam o Congresso. Desse modo, partindo da pulga para o elefante, os trusts obteriam as leis mais adequadas ao seus intuitos.

Ao mesmo tempo, graças a uma habil propaganda feita até nas estradas de rodagem por meio das bombas de gazolina, convenceriam o indigena bocó de que era absurdo existir petroleo no Brasil, porque ”Ora! Ora! Então se aqui existisse petroleo você pensa que os americanos já não o tinham tirado?” Ou isto: ”Deus nos acuda! No dia em que tivermos petroleo no Brasil a gazolina ficará pelo preço da agua de Caxambú”.

Para gente que pensa com outras partes do corpo que não o cerebro, argumentos dessa ordem valem ouro. Matam a questão. E quarenta milhões de criaturas passaram a repetir como papagaios os argumentos “estandardizados” que as bombas de gazolina forneciam de lambuja a cada comprador de essencia.

Não era bastante. Tornava-se necessario meter ciencia no meio. Organizar o não-ha-petroleo cientificamente. Ora, o brasileiro tem uma concepção muito curiosa de ciencia. Ciencia é o que ele não entende. Se entende, é besteira, não é ciencia da legitima.

Eusebio de Oliveira governava então o Serviço Geologico. Apesar de todos os seus defeitos, tinha uma qualidade inegavel: falar compreensivelmente. Não servia. O chefe ideal do departamento tinha de ser um “verdadeiro homem de ciencia” — dos ininteligiveis. E surge “the right man in the right place — Fleury da Rocha.

Os Interesses Ocultos exultaram. O Brasil iria ser iluminado por ciencia da “legitima”. Em vez de dizer-se, á Eusebio, “Olá, negrinho, feche a janela por causa do vento”, dir-se-ia, á Fleury, “Sus, etiope, claudica a finestra por causa do furibundo Boreas”. Esse homem, escapo a Molière, iria tambem revelar-se mestre inegualavel na fatura da Lei de Minas sonhada pelos trusts. Uma lei que embaraçasse, que trancasse da maneira mais perfeita a pesquisa e a exploração do sub-solo nacional. Uma lei-mundeu.

Quem quisesse explorar o subsolo teria de entrar por uma das portas da ratoeira e ai do desgraçado! Dante escreveu nas portas do inferno: Lasciate ogni speranza, voi ch’ entrate. Quem entra no inferno da Lei de Minas, não escapa. Está perdido para sempre.

Com semelhante mundeu colocado como porta do subsolo, a triste sorte das primeiras vitimas desanimaria os outros — e ninguem, nunca mais, teria o topete de mexer num subsolo donde poderia jorrar a preciosa substancia fedorenta que nos custa meio milhão de contos por ano.

Lei-labirinto de Creta. Lei-cipó arranha-gato. Lei-serpes de Laocoonte. Lei-arapuca. Lei-mundeu. Lei-trapa. Lei gramaticida. Lei-matapau. Lei-rolha. Lei-atentado de lesa-patria, lesa-direitos, lesa-bom senso, lesa-dignidade humana. Lei-Fleury, em suma.

Aquele amontoamento de obstaculos insidiosos, portas falsas, incompreensibilidades manhosas, garrotes e cordas de enforcar tinha o fim “expresso” de impedir que o extrangeiro tomasse conta do nosso petroleo. Patriotismo puro, a trescalar de todos os seus cipós o mais suave bodum de brasilidade.

Ha, porem, dois patriotismos. Um, peludo, orelhudo, mas sincero, respeitavel — como o do major Juarez Tavora. Outro, glabro, sem orelha nenhuma — patifissimo. O famoso Dr. Johnson o classificou: "the last refuge of scoundrels".

Em todas as realizações patrioticas é sempre o patriotismo classificado pelo Dr. Johnson que leva o outro pelo nariz.

A Lei de Minas, manipulada pelo segundo patriotismo e inocentemente promulgada pelo primeiro, destituiu o proprietario da terra do direito ao que está no subsolo — apesar da nova Constituição manter intacto o direito de propriedade. E não contente com o caricato confisco, ainda trancou com mil trancas a exploração. Trancou-a a todos — os nacionais e á perigosa gente de fóra — e como era justamente isso o que a perigosa gente de fóra queria, os Interesses Occultos piscaram o olho.

Já que o programa dos trusts consistia em conservar o Brasil como eterno comprador do petroleo que eles vendem, a Lei-Fleury veio ajustar-se como luva aos seus verdadeiros interesses. Ficavam os trusts impedidos de tirar petroleo cá. Otimo! Quem está com superprodução em seus campos, regala-se de não ser forçado a abrir poços em zonas novas. Mas como tambem o nacional ficava impedido de abrir poços, tudo correria pelo melhor, no melhor dos mundos possiveis — para os trusts. Era o meio seguro de manter o Brasil como eterno comprador do petroleo deles.

Enquanto isso, toca a estudar o nosso territorio e a comprar as terras potencialmente petroliferas e a fazer contratos de subsolo. Reservinhas para o futuro. Precaução para que o nacional não possa nunca perfurar nas melhores zonas. Tudo otimo! Bis-otimo! Que maravilhoso achado, esse Sr. Fleury da Rocha!

No decurso deste livro o leitor verá como a maquina do calamitoso Ministerio da Agricultura “trabalhou” e “trabalha bem” dentro do programa de “NÃO TIRAR PETROLEO, NEM DEIXAR QUE O TIREM”. Apenas com o dispendio de 5.000 contos anuais, pagos pelo seu bolso de vitima, o Brasil algema-se aos trusts como um perpetuo mercado comprador (hoje de meio milhão de contos, amanhã de um milhão) — e ainda evita que surja no mundo um novo produtor de petroleo em condições de perturbar o “equilibrio estatistico” da produção americana.

Que excelente negocio! Como é facil vencer no jogo da vida, quando se raciocina com a cabeça! Como é maneiro e manejavel o patriotismo numero dois! Como é simples despistar um país de 40 milhões de “ora vejas”...

O tal desvio fisiologico, que nos leva a pensar com orgãos outros que não o cerebro, faz que borbulhem na imprensa artigos com cabeços assim: “Mas, afinal de contas, temos ou não temos petroleo?

Esse titulo de artigo, essa pilherica interrogação vai-se perpetuando a despeito do tremendo afluxo de sinais de petroleo, de vestigios de petroleo, de emanações de petroleo, de eflorescencias de petroleo e até de exudações fortemente ativas de petroleo que o Brasil apresenta.

Não falarei do Amazonas, nem do Pará, nem do Maranhão, onde abundam todos os sinais que levaram povos menos lerdos a extrairem da terra milhões de barris de oleo; nem de Alagoas, onde, no unico ponto estudado a serio (Riacho Doce), a geofisica alemã acaba de assinalar todas as condições classicas exigidas para a existencia do petroleo; nem de toda a costa nordestina da qual Riacho Doce é um ponto; nem do petroleo do Lobato, na Baía, oficialmente perseguido por ter... o meu nome; nem do petroleo do Espirito Santo, que vive a manifestar-se em inumeros pontos; nem do que indubitavelmente existe na região fluminense das lagoas. Não falarei do petroleo de S. Paulo, onde só não saiu em virtude da sabotagem dos poços e da perseguição oficial ás companhias. Não falarei do Paraná, onde em torno do afloramento do devoneano os agentes dos trusts se assanham na péga de contratos. Nem de Santa Catarina, onde as evidencias são as mesmas que no Paraná. Por mais milhões de barris de petroleo que durmam nessas zonas, tudo isso não passa de café pequeno diante do formidavel lago de petroleo em que se assenta Mato Grosso. Detenhamo-nos um momento em Mato Grosso.

Que foi Mato Grosso em éras remotissimas? Que foi esse Mato Grosso de 1.478.000 quilometros quadrados, maior que a Venezuela, que o Perú, que a Colombia, que o Equador, que a França, que a Alemanha, que a Italia, que cinco S. Paulos? Que foi essa materia prima de todo um imperio? Um mar. Um fundo de mar. Isso ha milhares de seculos, no periodo siluriano, tempo em que Fleury da Rocha não passava de humilima ameba — serzinho gelatinoso ainda a decidir-se entre o reino animal e o vegetal.

Mato Grosso constitue uma parte do fundo do mar de Xaraés — mar que ainda hoje se denuncia nos residuos subsistentes, do mesmo modo que a rez morta ha muitos anos se denuncia pelos ossos esparsos. Lagos; lagoas e pantanos de agua salgada e toda a imensa area alagadiça do sul (que se chama Chaco nas republicas visinhas e Pantanal no Brasil), representam a ossada dispersa do velho mar do Xaraés. Nesse mar mediterraneo, encurralado pelo levantamento dos Andes e pelas barreiras montanhosas, norte-sulinas, do Brasil atual, formou-se um tremendo deposito de petroleo.

Como afirmar isso? Com bases nas perfurações e estudos feitos nos pedaços desse fundo de mar que constituem territorios das republicas visinhas Bolivia, — Bolivia, Perú, Argentina, Paraguai. Um grande rio navegavel corta em duas metades o fundo do Xaraés — o rio Paraguai, esse Mississippi, esse verdadeiro flumem nostrum que ha de um dia tornar-se a Broadway aquatica da America do Sul. O pedaço do fundo do Xaráés que hoje pertence ao Brasil equivale em possança á soma dos pedaços em mãos dos paises limitrofes.

Mas acontece que esses paises limitrofes nunca tiveram um D. N. P. M. Nunca tiveram um Fleury e porisso perfuraram; e como perfuraram, demonstraram que todo o centro da America do Sul não passa do maior lago de petroleo do mundo. Esses visinhos extraem dos respectivos subsolos milhões e milhões de barris. Nós... nós... nós jogamos no bicho.

O petroleo xarnéense está cansado de exibir-se em Mato Grosso, está cansado de denunciar-se de todas as maneiras, de implorar pelo amor de Deus que o desencadeiem das profundidades. Nós... nós... nós gastamos 5.000 contos por ano, ou sejam 17 contos por dia, para, por amor a Rockefeller, mantermo-nos algemados. Basta dizer que esse Departamento NUNCA fez o menor estudo em Mato Grosso, NUNCA abriu lá um poço! Medo, panico, pavor de sujar-se com o inevitavel jacto do petroleo xaraéense...

Enormes extensões do territorio de Mato Grosso estão marcadas de sinais de oleo; de lagoas de agua salgada, de calcarcos, conchas e aglomerados fosseis indicativos de formações petroliferas; de derrames de asfalto, ou petroleo que perdeu por evaporação as partes mais leves; de eflorescencias de petroleo; de natas de oleo nos pantanos e cacimbas abertas; de emanações de gaz de petroleo. Até os bois sabem disso, pois se recusam a beber certas aguas, dizendo com os seus grandes olhos: “Isto é oleo”. Os bois matogrossenses sabem do petroleo do Xaraés. O Ministerio da Agricultura o ignora [3].

Mato Grosso tresanda a petroleo, súa petroleo, exsolve-se em petroleo. E não contente de denunciar petroleo por quantas juntas tem, ainda chega a ponto de jorrar petroleo — de possuir ”oil-seepages”, isto é, exsudações ativas, fontes de petroleo, olheiros de petroleo fluente.

Ha mais de vinte anos um geologo dinamarquês, Thorvald Loch, descendo um rio a sul do Mamoré, observou nagua um derrame oleoso a derivar em nata irisada. Seguiu-lhe a pista rio acima. Alcançou o ponto do barranco por onde o oleo descia. Acompanhou-lhe o rasto em terra. Por fim encontrou a “oil-seepage”, o olheiro, a mina que brotava duma encosta. Mediu-lhe a vazão. Era de 500 a 600 litros por 24 horas. Petroleo verde-castanho, otimo, dos melhores.

“Oil-seepage” desse tipo tem uma importancia enorme. Não é mais indicio de petroleo. E’ o proprio petroleo que por força das pressões internas escapa por fendas e derrama-se na superficie. E’ a “chapopotera” do Mexico, que permitiu a aber-

tura daquele Serro Azul de 300.000 barris diarios. E a “salsa”. E’ o manadouro de oleo, lama, areia e gases — o pús dos grandes tumores subterraneos. E’ o sinal que permitiu no mundo inteiro a abertura dos maiores poços.

As “oil seepages” assemelham-se a pequeninos vulcões de lama. Sofrem de periodicidade. Aumentam ou diminuem conforme o regimen da pressão interna e até das fases da lua. Muitas vezes perduram anos e anos ativas; ás vezes extinguem-se por anos e anos, para recomeçarem de novo, inesperadamente.

Loch assinalou geograficamente a posição da “oil-seepage” e prosseguiu viagem. Aparelhou-se. Voltou. Procedeu a levantamentos da zona. Verificou que por extensissima area o terreno tinha o mesmo facies caracteristico dos campos de petroleo do Oklahoma, onde ele trabalhara. A mesma vegetação raquitica, envenenada pela emanação constante dos gases. Colheu muitos litros de oleo e, radiante, encaminhou-se para o Rio de Janeiro afim de assombrar o mundo com a sua descoberta.

Ai! O Carnaval fervia. Foi preciso esperar que o Carnaval acabasse. Acabou um e começou outro. Loch esperou que esse outro acabasse. Veio o terceiro, o quarto, o quinto — e Loch levou mais de vinte anos com a “oil-seepage” na mão a esperar que o Carnaval acabasse...

Ele e seus socios perderam horas e horas nas antecamaras ministeriais e nas antesalas dos Fleurys e Oppenheims, esperando, esperando, esperando as audiencias. Mostravam os mapas da zona, apresentavam o cheiroso petroleo verde-castanho, riquissimo de essencias volateis, já analisado — e nada de nada de nada. Ninguem queria saber daquilo. Ninguem se interessava por aquilo. Os homens a quem o Brasil paga 5.000 contos por ano para descobrir petroleo, querem perpetuar-se na procura do petroleo — mas não querem saber de petroleo.

Loch e seus socios, sempre com a "oil-seepage" nas mãos, insistem, pedem pelo amor de Deus que o Ministerio da Agricultura mande ver, mande es tudar a fonte ativa de petroleo, conceda-lhes autorisação para explora-la — e nada de nada de nada!... O Ministerio tapa os ouvidos, toca os hohomens de lá. E este ano, nas "Bases" que o Ministro da Agricultura compôs para uso da Comissão de Inquerito, aparece este pedacinho de ouro:

NO BRASIL, ONDE O PETROLEO
NÃO FOI AINDA DESCOBERTO NEM
POR ACASO, NEM POR EXSUDA-
ÇÃO ABUNDANTE...

Uma "oil-seepage" de 500-600 litros por dia é das maiores exsudações expontaneas observadas no mundo. Existe! Existe de fato. Foi descoberta por Loch. Medida. Locada. Mapada. Proclamada. Levada ao Ministerio. Lá ajoelhou-se diante do D. N. P. M. pedindo por amor de Deus que a tomassem em consideração.

Tudo inutil. Como oficialmente o petroleo está proibido de existir, o Ministro da Agricultura, com base nas informações recebidas do Sr. Fleury da Rocha, continúa afirmando em sua exposição aos juizes do inquerito que no Brasil nunca foi encontrada nenhuma exsudação expontanea de petroleo...

O Departamento escondeu ao ministro a descoberta de Loch!

 

Exercito, onde está o teu idealismo? Mocidade, que sono é esse? Guatambu das florestas, quando entrarás em ação? Guanxuma dos campos, em que dia te erguerás sob forma duma vassoura imensa?

 

Something is rotten in the state of Denmark... [4].

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. ”A Luta pelo Petroleo”, tradução de Ch. Frankie e Monteiro Lobato.
  2. ”Considering the enormous area of Brazil, and that there is a broad belt of geological outcroppings generally associated with accumulations of oil, I think it is only question of short time before petroleum in commercial quantities will be discovered in Brazil, especially in view of the fact that Brazil is one of the few remaining countries in the World in wich no systematic explorations for oil has been carried on. Brazil is rich in petroleum. In comparison with its area, the amount of petroleum contained is probably larger than in any other country”. (Gustav Grossman).
  3. O governo que suprimir o Ministerio da Agricultura, e arrazar os casarões que ele ocupa, prestará ao Brasil um serviço tremendo. O Brasil viveu desde Pedro I até Nilo Peçanha sem ministerio da agricultura e por isso prosperou, criou a lavoura do café e tudo mais de que temos vivido até hoje. Chegamos a ter cambio acima de 27. Ser lavrador era uma felicidade.
    Um dia Nilo Peçanha, por capadoçagem, lembrou-se de criar aquilo — e nossas desgraças começaram. O parasita foi encorporado, foi emitindo tentaculos, foi se imiscuindo em tudo — nas culturas, para atrapalha-las; na criação de porcos, para burocratiza-la; na avicultura; na citricultura; na pomiculaura; em tudo que diz respeito a extrair coisas do solo. O lavrador coçou a cabeça. A “assistancia” daquele parasitismo começava a embaraça-lo seriamente. Depois a “assistencia” degenerou em “proteção” esse tremendo negocio de parasitas que acaba matando o parasitado. O cambio entrou a cair. De 27 desceu ao que está, pertinho de zero. Os credores não viram mais nenhum juro do seu dinheiro.
    A tenia burocratica prosseguiu no seu desenvolvimento. Passou a invadir o subsolo. Tomou conta delle — e ninguem mais pode cavar o chão sem "assistencia" do parasita.
    Agora o mostrengo entra a falar muito amiude em “economia dirigida”. Quer extender ainda mais a sua rede de sufocação. Quem ler no depoimento de Hilario Freirea a analise da Lei de Minas, o “capolavoro” do Ministerio da Agriculaura, terá uma rapida visão do que seremos quando a economia nacional for regulamentada pelo Sr. Fleury da Rocha. Nesse dia um só remedio nos restará — o suicidio em massa. Quarenta milhões de criaturas a beberem lisol ou a estourarem os miolos a bala — na certeza de irem para o inferno, mas na convicção de que o inferno será um ceu em comparação da nossa vida economica regulamentada pelo Ministerio da Agricultura.
  4. Qualquer coisa está podre no reino da Dinamarca (Shakespeare, Hamlet).