CAPITULO SETIMO
I
As affeições d'esta vida continuam na outra. Mesmamente no ceo, a Virgem é Mãe de Christo. Todos esperam reconhecer, além-tumulo, as pessoas que na terra estremeceram. Reconhecer-se-hão os esposos, pois que hão de reconhecer os filhos. Esta esperança é a maior consolação d'esta vida, e uma das forças que nos attrahem para o ceo. Mas o perpetuo inferno nos escurece aquella esperança e nos esfria os mais santos affectos.
Eis um pae de familia que morre subitamente ou de violenta morte, ou na sua cama, sem padre, sem sacramentos, ao cabo de uma vida devota. Imaginem a incerteza da viuva e dos orphãos quanto á salvação d'esse ente que os amou, educou, nutriu, instruiu e consolou. Se ha coisa verdadeira no ensino dos theologos, podemos apostar mil contra um que este homem cahiu no inferno para sempre.
Que afflicção para acrescentar ás angustias d'aquella familia! Se elles tivessem a certeza de amar um peccador penitente, a quem rogos e boas obras podessem levar refrigerio, que supplicas, que piedosas obras não fariam! Mas amar um condemnado! suffragar um condemnado! amarrarem-se á memoria de um condemnado! guardar-lhe as reliquias, as cartas, o retrato! Choral-o, suspirar por ir vêl-o! De repente, morrer para odial-o! Saber, e pensar estas coisas! Seja embora uma duvida; é duvida que gela a oração no peito; quebra o animo para o bem-proceder; espanca a piedade do lar; e aconselha o estontecer-se e esquecer-se um homem — coisa tão natural ao mundano egoismo — ; ou então, o outro egoismo feroz e sombrio do frade que immola á sua propria salvação todos os affectos humanos.
II
Haverá no ceo familias que se encontrem; mas tambem no ceo haverá orphãos eternos, e viuvas eternas, e mães eternamente sem filhos. Se isto é motivo para amarguras, ahi está o agro das doçuras do ceo; mas, se é motivo para alegrias, que horriveis alegrias!
O rico avarento do Evangelho seria em verdade melhor do que os eleitos. Sem duvida, mais caridade haveria no inferno que no ceo.