O autor da Exposição histórica da maçonaria no Brasil [1] escreve que as lojas maçônicas no Brasil datam dos últimos tempos do regime colonial e precederam mesmo a trasladação da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. Umas tinham-se instalado sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano, outras do de França e algumas como independentes, todas do rito adonhiramita, fundado pelo barão de Tschudi e compreendendo 13 graus, correspondendo o último ao 21 do rito escocês. Antes pois da famosa loja Comércio e Artes, que data de 24 de junho de 1815, teriam existido outras no Rio, Bahia e Pernambuco, que continuaram sob o governo de Dom João VI a desenvolver sua atividade silenciosa, fundando-se mesmo uma composta em parte de empregados do paço com conhecimento do então príncipe regente, cujo fervor religioso nunca foi grande e menos ainda de caráter ultramontano.

Drummond contesta normalmente que Dom João VI tivesse ciência dessa loja, mas o fato dela denominar-se, como ele próprio escreve, S. João de Bragança, depõe contra a sua negativa. A perseguição às lojas maçônicas só ocorreu em todo o caso quando a revolução pernambucana de 1817 patenteou seu caráter político anti-monárquico. O alvará de penas foi até mandado transitar pela chancelaria do reino, o que escreve Drummond que já caíra em desuso. Houve por algum tempo o pânico da maçonaria, alimentado por espias e delatores, e não só as lojas foram mandadas Jissolver, como se criou um juízo da inconfidência que cometeu arbitrariedades.

A loja Comércio e Artes adiara sua incorporação ao Grande Oriente Lusitano, ao qual se tinham unido as que anteriormente funcionavam no Rio de Janeiro, porque já aspiravam os seus membros à instalação de um supremo poder maçônico brasileiro - manifestação entre tantas da formação de um sentimento particularista, destinado em breve trecho a ser nacional. As lojas que se tinham ido espalhando - em Pernambuco havia mesmo um capítulo - sofreram tanto na sua prosperidade com a reação oficial que quase todas tiveram que se dispersar. A revolução portuguesa de 1820, seguida do movimento constitucional no reino-unido do Brasil, foi que determinou sua reaparição, reinstalando-se a loja Comércio e Artes a 2 de junho de 1821 na casa ocupada pelo capitão de fragata Moncorvo, na rua de São Joaquim, esquina da do Fogo.

Entre os fins da organização maçônica contam-se a prática da filantropia, o aperfeiçoamento da moral, a cultura científica e artística e o estímulo do comércio livre e da produção agrícola, isto é, o aproveitamento das fontes de riqueza das nações sob o funcionamento de um regime liberal. Este regime liberal podia na Europa contentar-se com ser a consagração dos direitos do homem, isto é, da igualdade dos direitos civis e políticos para todos os membros da comunidade. Na América porém tinha o mesmo regime que possuir um duplo aspecto, juntando à igualdade dos cidadãos a independência da nação.

O número dos iniciados, que eram portanto outros tantos aderentes da causa do Brasil, cresceu tanto que a 28 de maio de 1822 a loja Comércio e Artes teve que se dividir em três e fundar-se o Grande Oriente do Brasil, continuando a loja mãe com o seu nome primitivo, que significava a "idade de ouro", e sendo dados às outras duas em que se desdobrou os títulos de União e Tranqüilidade, palavras atribuídas ao príncipe para sossegar o povo no dia 9 de janeiro, e Esperança de Niterói, designação simbólica da projetada emancipação do reino americano.

A participação maçônica no Fico já fora notável, mas onde ela aparece verdadeiramente conspícua é a 13 de maio de 1822 quando, por ocasião de celebrar-se o aniversário natalício de elrei, Dom Pedro recebeu a honrosíssima investidura de defensor perpétuo do Brasil, título lembrado pelo brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto para que à dignidade de regente, outorgada pelo monarca, correspondesse outra dignidade emanação democrática, outorgada pelo povo. Com o aumento de atribuições que acarretava a investidura, o príncipe regente poderia, no dizer de Armitage, com as aparências da legalidade conceder ao Brasil sua legislatura, que era a meta dos esforços do momento.

O Grande Oriente Brasileiro teve por primeiro grão-mestre José Bonifácio de Andrada e Silva, então no apogeu do seu prestígio, secundando-o como adjunto o marechal Joaquim de Oliveira Álvares. Participada sua criação, que teve lugar verdadeiramente a 24 de junho, quando se procedeu com a maior regularidade ao sorteio dos operários e eleição dos oficiais das lojas metropolitanas, foi a nova organização imediatamente reconhecida pelos Grandes Orientes da França, Inglaterra e Estados Unidos [2].

Dessas lojas metropolitanas faziam também parte os antagonistas da primeira hora de José Bonifácio, logo depois seus acérrimos inimigos políticos, os quais, para grangearem seu objetivo de afastar o ministro paulista do poder, tinham que começar por chamar a si as boas graças do príncipe, trilhando para isto o caminho da lisonja, que é o que quase infalivelmente conduz ao favor dos poderosos.

Melo Moraes inclui nessa conspiração contínua da adulação o pedido feito por José Clemente Pereira, à frente do senado fluminense, para que Dom Pedro aceitasse o título, não só de defensor perpétuo como de protetor perpétuo do Brasil. Esta reencarnação de Cromwel sorriu porém pouco ao regente, que com espírito e bom gosto retorquiu, segundo ele próprio conta ao pai [3]: "Honro-me e me orgulho do título que me confere este povo leal e generoso; mas não o posso aceitar tal como se me oferece. O Brasil não precisa da proteção de ninguém; protege-se a si mesmo. Aceito porém o título de Defensor Perpétuo e juro mostrar-me digno dele enquanto uma gota de sangue correr nas minhas veias". Foi logo assinada ata de aceitação e outra ata do reconhecimento do título pela municipalidade, corporações, cidadãos recomendáveis presentes e comandantes e oficiais da 1.ª e 2.ª linha da tropa.

José Bonifácio nada teria mesmo que opor a qualquer demonstração posto que mais lata do sentimento nacional, pois que tanto o esposara que como grão-mestre aceitara - segundo consta das atas originais que Melo Moraes diz ter tido em seu poder - os planos de independência que desde algum tempo andava elaborando a loja Comércio e Artes [4]. Acompanhou-o nesta aceitação seu irmão Martim Francisco e, como é natural, aumentou com isto o número das adesões e iniciações.

Não fiava contudo José Bonifácio somente da atividade das lojas a realização das suas vistas e talvez mesmo não concedesse à instituição maçônica todo o crédito que esta pretendia, preferindo-lhe o Apostolado, que era inequivocamente monárquico-constitucional, quando a outra pendia para a pura democracia. Seguramente não concedeu José Bonifácio à maçonaria atenção idêntica à dispensada pelos seus desafetos: o banquete de instalação do Grande Oriente do Brasil foi presidido por Ledo, na ausência do grão-mestre e do seu adjunto. José Bonifácio sentia-se pelo contrário onipotente, na expressão de Rio Branco, na outra sociedade secreta organizada quase simultaneamente. Do livro de atas da "Nobre Ordem dos Cavalheiros de Santa Cruz, denominada Apostolado" [5] se colige que as suas sessões começaram a 2 de junho de 1822 e se estenderam até 15 de maio de 1823, figurando entre os associados Ledo, Nóbrega e outros dos adversários de José Bonifácio. Dom Pedro era o arconte-rei e a sociedade dividia-se em palestras e decúrias. Seus membros apelidavam-se colunas do trono.

As figuras salientes da maçonaria eram justamente as que não estavam de coração com o ministro da regência e lhe preparavam a queda, minando o seu valimento. O encarregado de negócios da Áustria já no seu ofício de 11 de abril previa distúrbios por ocasião das eleições para o conselho dos procuradores. O príncipe achara-se em Minas numa viagem de êxito problemático e a sorte do seu conselho de Estado estava por assim dizer ligada com a sua. Os inimigos de José Bonifácio aproveitaram o momento para demonstrar seu descontentamento contra o ministro discricionário e bairrista - tais eram as acusações que contra ele se formulavam - espalhando-se mesmo o rumor de que havia o projeto de forçá-lo a resignar e aclamar-se uma junta, à moda constitucional.

Segundo Mareschal [6], os autores do projeto pertenciam à facção portuguesa e faltavam-lhes os elementos para levarem a melhor o seu intento. O domínio militar lusitano perdera suas possibilidades agressivas: seria lícito ao general Madeira, com os recursos de que dispunha, defender-se e defender a Bahia, mas não lhe era dado conceber ataque algum vitorioso para o lado do sul. Mesmo que se lhe juntassem as tropas de Lecor e que se fizesse assim possível alguma surpresa, esta teria que se desmanchar e dar lugar a uma reação feliz. É possível que dos brasileiros exaltados alguns prestassem seu concurso à socapa contra José Bonifácio. Entre eles e os portugueses existia vivo o elo de José Clemente Pereira. Os partidos extremos costumam sempre aproximar-se quando fazem oposição à ordem de coisas estabelecida e os portugueses do Brasil não podiam ser adversos ao regime constitucional, pois que esse regime servia de instrumento à recolonização.

Não podia portanto haver no Brasil verdadeiros "corcundas" ou reacionários, visto que do seu lado os nacionais o menos que queriam era autonomia, donde provinha um desacordo mais acentuado com os regeneradores pela maneira diversa por que uns e outros compreendiam a aplicação da liberdade. A circular da Santa Aliança expedida no Congresso de Verona em 14 de dezembro de 1822 - o congresso em que Chateaubriand obteve a intervenção na Espanha - dizia que "ricas colônias justificam a sua separação exatamente pelas mesmas máximas com que a mãe-pátria fundou seu direito público e que ela quer, mas em vão, condenar no outro hemisfério".

José Bonifácio nunca pecou por ter a mão leve nesses casos. Tendo sido descobertos os cartazes hostis, adiou sine die as eleições dos procuradores por um edital do ouvidor da comarca, sem apontar motivo determinado; prendeu e deportou com aparato uns tantos implicados, todos portugueses, e espalhou patrulhas e destacamentos montados pela cidade, ao ponto de Mareschal [7] achar exagerado o alarme, porquanto o único apoio para um motim dessa natureza se encontraria nos soldados portugueses da esquadra, aos quais tinha sido dada baixa e que estavam distribuídos pelos diferentes corpos da guarnição. "As deportações sem justificação, escrevia o diplomata austríaco, desagradam geralmente; este país nunca foi afeito às medidas rigorosas: o governo do rei era absoluto, mas pecava pelo excesso oposto", Mareschal referia-se ao ramerrão quotidiano, esquecendo ou calando a repressão cruel do movimento pernambucano.



As primeiras notícias chegadas a 3 de maio, pela ilha da Madeira, do resultado dos trabalhos da comissão do Brasil nas Cortes de Lisboa agradaram a opinião pública e o príncipe, que a 5 regressou de Minas, até se mostrou altamente satisfeito com a atitude mais cordata que as Cortes pareciam querer adotar para com sua lealdade e franqueza [8]. O poder da imprensa foi-se porém depressa revelando na desfiguração política a que procedeu, mostrando nas suas críticas que as anunciadas concessões não eram afinal consistentes, nem muito menos completas; e que o projeto das relações comerciais envolvia a ameaça de um logro formidável. Persistia evidente a intenção de privar o Brasil de um único centro executivo nacional, assim como de tribunais e institutos superiores [9], e a reciprocidade mercantil em perspectiva não passava de uma miragem enganadora desde que os gêneros coloniais do Brasil não sofriam concorrência em Portugal, tendo os gêneros similares das possessões inglesas e francesas mercado obrigado nas suas respectivas metrópoles, ao passo que o Brasil teria que se contentar com os artigos manufaturados portugueses com a exclusão desvantajosa dos produtos análogos das outras indústrias estrangeiras, mais aperfeiçoadas e à cata de consumidores.

O remédio estava naturalmente indicado: era a convocação de uma constituinte brasileira. O movimento para a sua reunião partiu das lojas maçônicas, verdadeiros clubes políticos que não possuíam ainda a válvula de uma assembléia que eles dominassem e inspirassem. Deixar o Brasil sem representação nacional quando no Congresso de Lisboa as vozes da sua deputação eram abafadas pelas da maioria portuguesa, maioria que somava o duplo, era deixar sua administração sem fiscalização e sem freio, permitir que se prolongasse a condição colonial pela virtual irresponsabilidade do seu executivo, não escolhido pelo país, mas composto de delegados da autoridade metropolitana. O status do Brasil não diferiria assim do de qualquer possessão portuguesa da África ou da Ásia se o príncipe regente, mandando submeter os decretos das Cortes à sua sanção após parecer do conselho dos procuradores, não houvesse colocado de algum modo a autoridade do executivo brasileiro acima da soberania nacional representada pelas Cortes.

Com a volta do príncipe à capital recomeçou a propaganda de cartazes para sua ligação com o Brasil por meio de um laço indissolúvel, que só podia ser em boa lógica a sua aclamação como soberano, independente de Portugal. A maçonaria achou para começar o meio termo do defensor perpétuo, mais que regente e menos que rei. Começou desde aí José Bonifácio a ser sobrepujado pelo grupo avançado que, uma vez ganho aquele ponto, pensou em disputar outro.

O Conselho de Estado, com suas Excelências, não agradara geralmente quando proposto por cerimonioso, antiquado e sobretudo pouco definido; um verdadeiro Congresso, uma câmara de deputados, parecia coisa mais adequada e mais viável. José Bonifácio não era absolutamente infenso ao sistema parlamentar, mas entendia que a obra do conselho dos procuradores precedesse a da Assembléia Constituinte, que por assim dizer a preparasse, antes de introduzir-se um sistema eleitoral baseado sobre a propriedade e organizar-se uma ou mesmo duas câmaras moderadas. Queria também ver que espécie de gente saía das urnas eleitorais depois de mais de um ano de agitação constitucional: o resultado em São Paulo e Minas veio a ser considerado satisfatório, mas no Rio o lema eleitoral seria - nada de desembargadores, isto é, nada de conservadores. Era uma tendência radical que se anunciava, artificialmente estimulada pela j9vern imprensa, sem contudo chegar a afetar a calma geral, muito pela pouca inclinação que o elemento rural dos fazendeiros eleitores mostrava ainda pela efervescência partidária.

Ledo e Januário redigiram a representação que José Clemente Pereira se encarregou de fazer perfilhar pelo senado da câmara e que apresentou ao príncipe regente no dia 23 de maio, levando consigo, como por ocasião do Fico, emissários de outras províncias. Desta vez acompanharam-no dois de São Pedro do Sul e um do Ceará, que foi Pedro José da Costa Barros. O intuito oculto dessa manifestação era, ao que parece, obviar a outorga de uma Carta, processo político que estaria mais de harmonia com as idéias de Dom Pedro e até com o teor do seu decreto de convocação do conselho de procuradores quando se referia ao sistema constitucional que, dizia, "Eu jurei dar-lhe" (ao Brasil) o que de resto não era historicamente de uma rigorosa exatidão, pois que ele apenas jurara em nome de el-rei aceitar a constituição, que as Cortes de Lisboa elaborassem, como lei orgânica também do reino americano.

Ao apresentar a representação José Clemente Pereira fez um dos seus discursos já habituais, dando como razão para a Assembléia Constituinte a mesma que já dera para o Fico; a lei suprema de salvação pública consoante a máxima romana - Salus populi suprema lex. Tal assembléia era necessária para emprestar direção, confiança e garantia à união das províncias e para regular o estado de união com Portugal, no qual imperava - declarava-o sem ambages - a traição portuguesa. Na opinião de Cairu, a fala do presidente do senado da câmara pecava por quase cominatória, pois "instava para deferimento peremptório", julgando ocioso "produzir motivos para persuadir, aonde o árbitro na escolha falta".

José Clemente Pereira enumera as vantagens de uma legislatura: o impulso que daria à ação executiva, peada pela falta do "poder de fazer leis", sem lograr soltar as velas à sua energia e patriotismo; o atraso dos negócios públicos se perdurasse semelhante situação; a liberalização e proteção a serem dispensadas a todas as "alavancas poderosas da grandeza nacional", desde a agricultura e comércio até as ciências e artes; os meios que facultaria para o aumento da marinha e o preparo do exército; o aproveitamento condigno dos recursos do país, abolindo-se os erros do antigo sistema; a consolidação finalmente da união.

Na peroração exclamou o orador "estar escrito no livro das Leis Eternas que o Brasil devia passar naquele dia à lista das nações livres: era decreto do Árbitro do Universo, havia de cumprir-se quisessem ou não quisessem os mortais, que impedir a sua marcha a nenhum era dado. Obedecei, Senhor, a esta lei eterna...". Na representação da lavra de Ledo e Januário o imperativo ainda era interrogativo, mas Cairu escreve que foi "objeto de pública censura a frase compulsória e ditatorial do final do requerimento, o qual rezava assim: "Tu já conheces os bens e os males que Te esperam e a Tua Posteridade... Queres? ou não queres? Resolve, Senhor!".

A representação é um libelo antilusitano. Trata Portugal de potência "inimiga da glória e zelosa da grandeza do Brasil, pois que queria firmar sua ressurreição política sobre a morte do nascente império luso-brasileiro". Chama ao passado colonial do Brasil "a cadeia tenebrosa dos seus males". Portugal não lhe deu mais do que escravidão, e só escravidão; retribuiu o seu ouro e os seus diamantes com "opressão e vilipêndio"; queimou-lhe os teares, negou-lhe a luz das ciências, acanhou-lhe a indústria, para que do Universo conhecesse apenas o pequeno terreno ocupado pela mãe-pátria, donde vinham "os tiranos indomáveis que o laceravam". "Agora é tempo de reimpossar-me da minha liberdade; basta de oferecer-me em sacrifício às tuas interessadas vistas: assaz te conheci, demasiado te servi"

A obra das Cortes é flagelada com linguagem incisiva como tendo faltado aos princípios universais que proclamara, perjurando as bases que estabelecera, traindo os direitos da natureza e das gentes, lançando no Brasil "os ferros que o Soberano Congresso pendurava no altar da liberdade" - tudo isto em negação da "maior, da única idéia verdadeiramente sublime que um europeu tem concebido das colônias da sua pátria", que foi a elevação do Brasil a reino por Dom João VI.

Agira Portugal contra todos os seus interesses, esquecido de que a grandeza do Brasil era a sua âncora de salvação. Seu proceder foi inábil tanto quanto odioso: Ledo e Januário dizem-no, por vezes com um vigor e amplidão de frase que os põem ao nível dos publicistas políticos que deixaram nome nessa época de romantismo das idéias. Outras vezes, contudo, descaem numa ênfase e num exagero a que dificilmente pode escapar um documento político dessa natureza. Luís do Rego e Avilez são por exemplo "os monstros que dilaceravam as províncias"; as tropas lusitanas remetidas para ultramar são "cortes pretorianas"; o decreto que sancionou a divisão "da túnica inconsútil do Brasil prometeu o título de beneméritos aos que melhor assanhassem as serpes na cabeça da fúria".

O Soberano Congresso faltou para com o Brasil aos princípios da moral, e da igualdade, e da natureza, e da política e da razão, "deixando o esqueleto do Brasil reduzido à deplorável sorte da Ásia Menor". A preferência íntima dos dois redatores da representação por uma forma mais adiantada de governo acha-se cuidadosamente dissimulada, dizendo-se até que o Brasil mostrou "a presciência política dos seus verdadeiros interesses, porque abraçou desde já o sistema que há de um dia dominar em toda a América; por ora, em muitos lugares encantada com os prestígios da democracia".

A situação exigia uma solução e esta não podia ser outra senão reempossar-se o reino americano, reconhecido por todas as potências e com todas as formalidades que fazem o direito público da Europa, da porção de soberania que lhe competia. Talvez o Congresso "no devaneio da sua fúria" considerasse isso rebelião, quando na verdade era um "passo heróico". Para tal inconseqüência seria mister primeiro declarar rebelde a razão, que prescreve aos homens não se deixarem esmagar uns por outros; rebelde a natureza, que ensinou aos filhos a separarem-se dos pais quando atingem a virilidade; rebelde a justiça, que não autoriza usurpações nem perfídias; rebelde Portugal, que encetou a marcha; rebelde o Congresso mesmo, porque seu proceder acelerou a época da futura desunião prometida pela força irresistível das coisas, mas fatal para a parte que visava engrandecer-se.

A conclusão positiva e prática era que o Brasil, composto de elementos muito diversos dos de Portugal, "carecia de uma administração própria, de uma legislação bebida na natureza de suas necessidades e circunstâncias, e não de uma legislação versátil, sem base e sem interesse, como são todas aquelas que se operam de longe, e debaixo da inspiração poderosa de legisladores parciais, sem adesão ao lugar para que legislam, e sem medo do raio vingador da pública opinião, que daqui não pode feri-los senão frio e sem vigor".

A primeira faina da Assembléia Constituinte Brasileira seria examinar, rever, emendar e alterar a Constituição Portuguesa, adaptando-a à seção americana da Monarquia. A união ainda era respeitada nessa representação, contanto que não envolvesse sacrifício de independência. "A independência, senhor, no sentir dos mais abalizados políticos, é inata nas colônias, como a separação das famílias o é na humanidade; e a independência assim modificada é de honra ao Brasil, é de utilidade a Portugal, e é de eterno vínculo para a Monarquia em geral. A natureza não formou satélites maiores que os seus planetas. A América deve pertencer à América, a Europa à Europa; porque não debalde o Grande Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. O momento para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande todo é este, desprezá-lo é insultar a divindade, em cujos decretos ele foi marcado, e por cuja lei ele apareceu na cadeia do presente. O Brasil no meio de nações independentes e que lhe falam com o exemplo da felicidade, exemplo irresistível porque tem por si o brado da natureza, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena, sem forças para defendê-lo, e ainda menos para conquistá-lo. As nações do Universo têm sobre nós, e sobre ti os olhos: ou cumpre aparecer entre elas como rebeldes, ou como homens livres e dignos de o ser".

Diz Porto Seguro que pelo exercício desse direito constitucional de petição que as bases tinham consagrado, o governo se isentava da responsabilidade de certas medidas de maior alcance no que tocava à sua iniciativa; mas caso foi este em que o pedido foi além do que José Bonifácio, pelo menos, desejaria conceder. Afora os inconvenientes mencionados, achava ele prematura a convocação de uma constituinte nacional antes de assegurada a união para a qual, se todos tendiam - o que não era certo em absoluto -, não era com igual afã, havendo obstáculos a superar e resistências a vencer. Insinuou portanto o ministro ao regente uma resposta evasiva: que ia apelar para o Conselho de Estado, prestes a reunir-se, e cujo parecer carecia de ouvir, bem como o das outras câmaras municipais, antes de dar um passo tão importante.

Para o não retardar contudo, fixava o príncipe - estava-se a 23 de maio - a eleição dos dois procuradores fluminenses para 1" de junho e a abertura do conselho para o dia imediato, com os procuradores presentes, não mais se esperando pelos de três províncias. Foram eleitos o velho José Mariano de Azeredo Coutinho e Joaquim Gonçalves Ledo: com estes e o procurador do Estado Cisplatino, Lucas Obes, se fez a instalação, dizendo porém Porto Seguro, que chegaram a ser dez os procuradores que trabalharam em conselho [10].

Na proclamação que lançou no dia 2 de junho o príncipe precavia os brasileiros contra os perigos que os rodeavam e os "terríveis monstros que por todas as vossas províncias estão semeados" e que atraiçoavam o Brasil, porque "quem diz brasileiro diz português, mas provera a Deus que quem dissesse português dissera brasileiro". O conselho dos três julgou que os monstros, se combatiam com uma legislatura e no próprio dia da sua instalação assinaram a representação redigida por Ledo, em que se dizia que "a salvação pública, a integridade da nação, o decoro do Brasil e a glória de S. A. Real instavam, urgiam e imperiosamente comandavam a convocação com a maior brevidade possível de uma assembléia geral de representantes das províncias do Brasil".

Das mesmas premissas postas dias antes e auridas em Jean Jacques Rousseau, a saber, no desejo de ser feliz, "que é o princípio de toda sociabilidade, bebido na natureza e na razão imutáveis", deduziu logicamente o inesgotável panfletário que Ledo era sempre, mesmo nas suas súplicas ou nos seus manifestos, uma conclusão idêntica à da representação popular, posto que porventura em termos mais confiantes. Se não fosse a personalidade do príncipe "que o país adora e serve ainda mais por amor e lealdade, do que por dever e obediência, o Brasil romperia os vínculos morais de rito, sangue e costumes, e, quebraria de uma vez a integridade da nação".

Nem deixava Ledo, como homem público que almeja responsabilidades, de enunciar a fórmula política do momento: "O Brasil não quer atentar contra os direitos de Portugal, mas desadora que Portugal atente contra os seus: o Brasil quer ter o mesmo Rei, mas não quer senhores nos deputados do Congresso de Lisboa: o Brasil quer a sua independência, mas firmada sobre a união bem entendida com Portugal, quer enfim apresentar duas grandes famílias regidas pelas suas leis, presas pelos seus interesses, obedientes ao mesmo chefe". Era para ambos os países o regime do dualismo levado até sua última expressão, até o ponto mesmo da separação, a qual a pessoa de um soberano comum unicamente inibia e prevenia, pois que do Congresso coisa alguma poderia esperar Portugal: "O arrependimento não entra em corações que o crime devora", escrevia Ledo. Era para cada um sua independência limitada ao mesmo tempo que fortalecida pelo vínculo pessoal e exclusivo do monarca.

José Bonifácio tomara o conselho, incluído na representação dos procuradores, de que "pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas" e conformara-se - é a expressão oficial exarada no documento - com a solução da crise proposta na representação aludida, a saber, "a convocação de uma assembléia luso-brasiliense, que, investida daquela porção de soberania que essencialmente reside no povo deste grande e riquíssimo continente, constitua as bases sobre que se devam erigir a sua independência, que a natureza marcara e de que já estava de posse, e a sua união com todas as outras partes integrantes da Grande Família Portuguesa, que cordialmente deseja" (texto do decreto).

Dias antes já José Bonifácio dissera a Mareschal [11] que era impossível resistir à corrente: o país achava-se em estado febril. O que o preocupava mais, e ele reputava impossível, era encontrar 100 homens aptos para as funções de legisladores. Não era infelizmente possível alistá-los fora como soldados: estes podia a regência engajar na Áustria ou na Suíça por intermédio de Schäffer [12].



O decreto de convocação da constituinte brasileira é de 3 de junho e, posto que referendado por José Bonifácio, foi da lavra de Ledo, o que quer dizer que o acordo entre os dois elementos volvera a fazer-se, pelo menos para a emergência. Era cedo para romper, antes de obtido o resultado essencial. "Nosso inimigo só será aquele que ousar atacar a nossa independência", dizia-se na representação do senado da câmara solicitando a capacidade legislativa para a nação ultramarina: fosse ela embora a expressão da "independência moderada pela união nacional" de que falava a proclamação de Dom Pedro de 2 de junho, o que tanto valia dizer que o inimigo só podia ser um Portugal com sanha de recolonizador.

As instruções para as eleições são da data de 19 de junho e traduzem o mesmo egrégio bom senso que produziu as instruções aos deputados paulistas às Cortes de Lisboa. Segundo elas a constituinte seria organizada por sufrágio indireto, sendo os eleitores de paróquia escolhidos diretamente pelo povo das freguesias, presidindo o ato o presidente da câmara ou um dos vereadores e assistindo a ele o pároco, espécie de fiador da identidade dos eleitores, que devia além disso, no cumprimento das suas obrigações religiosas, celebrar antes uma missa do Espírito Santo e pregar um sermão adequado à ocasião. Cada 100 fogos ou fração acima de 50 dava direito a 1 eleitor de paróquia, e eleitor deste era todo cidadão casado e todo solteiro de 20 anos para cima, com um ano de residência na freguesia, excluídos os religiosos regulares, os estrangeiros não naturalizados, os criminosos e os assalariados com exceção dos guarda-livros e primeiros caixeiros, dos criados da casa real que não fossem de galão branco e dos administradores das fazendas rurais e fábricas.

Os secretários e escrutinadores, cujo número variava segundo os fogos da freguesia e que faziam parte da mesa ou junta paroquial, deviam ser sujeitos pelo presidente à aprovação ou rejeição por aclamação do povo. A mesa decidiria sobre as denúncias de suborno e conluio, com perda para o incurso no delito, ou para o seu caluniador, do direito ativo e passivo de voto.

O sufrágio teria lugar por listas assinadas pelo votante de freguesia, com sua firma ou de cruz, sendo este analfabeto e escrevendo sua lista o secretário da mesa. Para se ser eleitor de paróquia era mister ter 25 anos, ter domicílio certo na província desde quatro anos antes, "ser homem probo e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à causa do Brasil e de decente subsistência por emprego, ou indústria, ou bens" (§ VI do capítulo II). "Nenhum cidadão poderia escusar-se da nomeação, nem entrar com armas nos lugares das eleições".

A província que mais deputados dava era Minas (20) e as que davam menos Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Piaui e Rio de Janeiro (1 cada uma): São Paulo dava 9, Bahia 13 e Pernambuco também 13. Os deputados deviam ser naturais do Brasil ou doutra qualquer parte da monarquia, mas neste caso com 12 anos de residência no Brasil e, sendo estrangeiro, com 12 anos de estabelecimento com família, além do tempo da naturalização, reunindo "a maior instrução reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do Brasil" (§ II do capítulo IV). Receberiam 6.000 cruzados pagos em mesadas pelo tesouro público da sua província, sendo rigorosamente vedadas as acumulações remuneradas, mesmo tratando-se de vencimentos de pensões. Ao mandato ninguém podia escusar-se. A escolha do presidente do colégio eleitoral de cada distrito, seria feita dentre os eleitores em escrutínio secreto e por pluralidade de votos; a eleição dos deputados pelos eleitores de paróquia teria entretanto lugar por meio de cédulas individuais assinadas pelos votantes e tantas quantos fossem os deputados da província.



O príncipe não esperara por José Bonifácio para dar razão aos que reclamavam Cortes no Brasil e não dissimulara seu sentir nas cartas que costumava escrever a seu pai. Já a 28 de abril manifestava ele o desejo que as Cortes Gerais soubessem que "a opinião brasileira, e a de todo o homem sensato, que deseja a segurança e integridade da Monarquia" era essa, que o Brasil tivesse a sua assembléia legislativa particular, que elaborasse as suas leis municipais. Estava portanto disposto a fazer aos brasileiros esta "vontade razoável e útil", com anuência ou não do Congresso de Lisboa, pois assim é que entendia o ser "defensor dos direitos natos de povos tão livres como os outros, que os querem escravizar".

A expressão defensor parece ter sido intencionalmente empregada e mostrar que o príncipe não era estranho ou pelo menos não desconhecia o que se passava com relação à investidura tramada sob o olhar complacente do Supremo Arquiteto do Universo. "Não é justo que uns sejam reputados como filhos e outros como enteados, sendo todos nós irmáos" [13]- nisto estava a justificação do seu proceder, com o qual se esquivara um pouco à orientação do seu ministro, que aconselhava mais do que lisonjeava e nesta matéria não tinha sofreguidões. Cedo aliás recuperou o ministro sua influência, pondo-se ao diapasão do regente e dando assim prova de que também era sábio na política. O imperador preferiria dentro em breve ministros mais dóceis ainda e menos prestigiosos, mas seria mister uma mulher - a marquesa de Santos - para fazer desvanecer um magnetismo que voltou quando ela própria viu dissipar-se o seu encanto.

A 21 de maio, dando notícia a el-rei do que se preparava a favor da convocação de Cortes Brasileiras, reiterava o príncipe sua asserção de que "sem cortes o Brasil não pode ser feliz. As leis feitas tão longe de nós por homens que não são brasileiros e que não conhecem as necessidades do Brasil não poderão ser boas. O Brasil é um adolescente que diariamente adquire forças. O que hoje é bom amanhã não serve ou se torna inútil, e uma nova necessidade se faz sentir; isto prova que o Brasil deve ter em si tudo quanto lhe é necessário, e que é absurdo retê-lo debaixo da dependência do velho hemisfério". Já quase um século antes D. Luís da Cunha, citado por Southey, escrevera, advogando a trasladação da corte para o Brasil, que "o Rei não pode manter Portugal sem o Brasil, entretanto, que, para manter o Brasil, não necessita de Portugal".

A aspiração do Brasil fundava-se aliás para o príncipe no direito das gentes e constituía um meio de união, porque "sem igualdade de direitos, em tudo e por tudo, não há união. Ninguém se associa para ver piorar a sua condição, e aquele que é o mais forte melhor deve saber sustentar os seus direitos. Eis porque o Brasil jamais perderá os seus que defenderei com o meu sangue, sangue puro brasileiro, que não corre senão pela honra, pela nação e por V. M."

Atente-se bem nesta expressão: sangue puro brasileiro. No discurso de abertura do conselho dos procuradores, repetiu Dom Pedro a referência "ao Grande Brasil de quem sou filho". Há nessas palavras como que o repúdio da sua filiação portuguesa e a afirmação orgulhosa de uma nova e poderosa nacionalidade que se estava moldando nas suas mãos e que ele ia libertar politicamente. Aquele título mesmo de defensor perpétuo "que me ofereceu o Brasil agradecido" poucos dias havia, tinha o sabor acre e excitante de uma aclamação popular. Lembrava a sagração nacional do Mestre d'Aviz diante da invasão castelhana. 'Ora, uma vez postas em movimento as suas faculdades, Dom Pedro, como escrevia Mareschal; "n'agit jamais mieux que dans un moment de crise".

A todas estas comunicações fogosas, desdenhoso de atitudes épicas, o rei respondia na sua placidez, sem desmanchar sua bonacheirice esperta: "Guia-te pelas circunstâncias com prudência e cautela" - o que é o A B C do oportunismo.

Em todas as suas cartas a el-rei, o príncipe abstrai sempre da Santa Aliança: é como se não existisse essa sociedade protetora da legitimidade dos tronos. Nunca faz menção dela; nunca mostra temer-lhe o desagrado e prossegue na sua marcha em suma revolucionária e duplamente revolucionária, contra o pai, soberano legitimo, e contra a mãe-pátria. De certo contava Dom Pedro com a simpatia do sogro, o imperador da Áustria, com quem a princesa Leopoldina estava em correspondência constante e que era um homem de grande ternura de coração. Um deputado brasileiro às Cortes de Lisboa houve até, Cipriano Barata, que para meter medo aos colegas portugueses, que repetidamente taxavam o príncipe de desobediente, imaginou a hipótese de acudirem em sua desafronta os regimentos austríacos, suscitando com esta lembrança uma assuada tremenda do povo das galerias.

A facilidade com que foi reconhecido o título imperial de Dom Pedro, contrasta com a dificuldade que experimentou Pedro, o Grande, da Rússia, recorda Cairu, estribando-se em Vattel. Na benevolência com que a Santa Aliança distinguiu o Brasil não entrou somente a circunstância da colônia continuar monarquia em vez de tornar-se república. O princípio da legitimidade nem por isso deixava de padecer. Também não basta a preocupação comercial, que para a Áustria e a Rússia era nesse caso de somenos valores. A ação da princesa Leopoldina não passava de pessoal, mas como dizia há pouco no seu discurso de recepção na Academia Francesa um conhecido diplomata, o sr. Jules Cambon, graças a Deus a ação dos indivíduos não desapareceu da história: o jogo político ficaria reduzido a uma árida troca de notas e perderia seu caráter humano, se dele fosse excluído o elemento das paixões.

Mareschal, testemunha presencial, relata [14] que, ao chegar ao paço para o beija-mão de 13 de maio, findo o qual o senado da câmara apresentou sua súplica, viu desfilar a tropa, de uniformes novos, uns 4.000 homens com muito bom aspecto (ayant une très bonne tenue), e que teve a surpresa da guarda de honra, que se formara de voluntários oficiais de milícias e que à sua Custa se fardara, escolhendo para modelo o traje da guarda boêmia do imperador da Áustria. Ao saber-se do fato em Lisboa, a escolha do figurino escandalizou enormemente as Cortes, que já viam o reino americano indulgentemente aberto aos janízaros da Santa Aliança. Constituindo uma homenagem à arquiduquesa Leopoldina, a lembrança é também prova da sua popularidade, portanto de ser conhecida sua simpatia pela causa brasileira. Drummond, escrevendo 40 anos depois destes sucessos, em 1861, dizia: "Fui testemunha ocular e posso asseverar aos contemporâneos que a princesa Leopoldina cooperou vivamente dentro e fora do país para a independência do Brasil. Debaixo deste ponto de vista o Brasil deve à sua memória gratidão eterna".

Na carta de 19 de junho, do príncipe a el-rei, é que surgem seus primeiros virulentos protestos contra as Cortes, que ele apelida de "facciosas, horrorosas e pestíferas", antecipando-se à fraseologia de Rosas e restaurando a do Terror francês. Seus membros são "constitucionais in nomine", de fato "infames déspotas lusos-espanhóis, a quem o Brasil abomina e detesta e não obedecerá mais porque de todo não querem senão as leis da sua assembléia". O príncipe considerava precisamente a situação como uma "quase separação", da qual dizia chegado o momento, tendo ele "marchado adiante do Brasil" consoante a recomendação paterna de antes do embarque no Rio de Janeiro.

A fórmula do momento era Dom João VI imperador do Reino Unido e Dom Pedro rei do Brasil. "Se isto acontecer, comentava o príncipe, receberei as aclamações, porque me não hei de opor à vontade do povo a ponto de retrogradar; mas sempre se me deixarem, hei de pedir licença a V. M. para aceitar, porque eu sou bom filho, e fiel súdito".

Notas editar

  1. Manuel Joaquim de Meneses. Seu trabalho acha-se reproduzido no Arquivo Maçônico, ano II, n.º 13 e seguintes, Recife, setembro de 1907.
  2. Exposição histórica da Maçonaria no Brasil.
  3. Carta de 21 de maio de 1822.
  4. José Bonifácio falou a Chamberlain em junho na nomeação de um cônsul-geral do Brasil em Londres (o ofício de Mareschal de 3 de junho).
  5. Figurou na Exposição de História de 1881, feita na Biblioteca Nacional.
  6. Ofício de 11 de abril de 1822.
  7. Ofício de 20 de abril de 1822.
  8. Ofício de Mareschal de 17 de maio de 1822.
  9. Refere Armitage que foi votada a continuação da Academia de Marinha do Rio de Janeiro.
  10. Representou o Rio Grande do Sul Antônio Vieira da Soledade, Santa Catarina o marechal Curado e o Espírito Santo José Vieira de Matos, Minas Gerais, que primeiro recusara eleger procuradores, após a ida do príncipe escolheu Estevão Ribeiro de Resende (depois marquês de Valença), Manuel Ferreira da Câmara, naturalista de reputação européia c um terceiro. São Paulo nomeou o desembargador Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira e o general Couto Reis. Do Norte só veio um procurador, da Paraíba, Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque: todas as outras províncias falharam.
  11. Ofício de 26 de maio de 1822.
  12. Ofício de 3 de junho de 1822.
  13. Carta de 28 de abril de 1822.
  14. Ofício de 17 de maio de 1822.