CAPITULO VI
A INSTRUCÇÃO PUBLICA


PATERSON, quando mais tempo vivia no meio daquella gente, mais a admirava.

O sacrificio que fizera abstendo-se do tabaco e do whisky era bem compensado pelo goso que fruia observando o viver original dos kiatenses. Sentia-se melhor de saude. A gôta não o apoquentava muito, as intermittencias do coração estavam quasi extinctas, devido á mudança de regimen e á abstenção completa do alcool.

O meio era salutar, mas Paterson não estava regenerado. Encontrando whisky e tabaco, continuaria a beber e a fumar, embora a gôta o atormentasse e o coração perdesse o rithmo,

Nas refeições em commum, notou a sobriedade do kiatense. A alimentação constava de hortaliças, leite, ovos, frutas, doces e algum peixe.

Desejoso de conhecer o grão de cultura intellectual daquelle povo, começou as suas visitas pelas escolas primarias e foi até á Universidade.

Tinha, como todo aquelle que não conhecia Kiato, uma idéa muito falsa da influencia da cultura do espirito na moral do homem. Estava acostumado a ouvir todos os dias como axioma — «abrem-se escolas e fecham-se cadeias». Nada mais falso.

A guerra dos povos civilisados, os mais cultos, a ultima guerra, quasi mundial, provara o nenhum valor da cultura do espirito na perpetração dos crimes. A guerra que é sinão um assassinio collectivo?

Estava convencido de que não era a escola que fechava a penitenciaria. Quiz ver como ali se ensinava a ler, e entrou na primeira escola que encontrou.

Em um salão isolado, cercado de jardins, fartamente arejado e illuminado, uma mulher ainda nova leccionava a vinte creanças, numero maximo da matricula. Cada menino occupava uma carteira, construida pelos sãos preceitos da hygiene de accordo com a idade de cada qual.

Paterson pediu licença e entrou. A professora conheceu immediatamente que elle era estrangeiro. Com toda a gentileza, convidou-o a sentar ao lado della e continuou a lição a um pequerrucho de seis annos, que já lia e começava a contar. O menino exercitava-se contando umas espheras de borracha numeradas de um a cem. Tinha que contal-eas pondo-as em ordem numerica até formar uma centena. Depois, dividir a centena em dezenas.

Seguiram-se outros exercicios: leitura, escripta, operações arithmeticas nos quadros de ardozia.

O ensino era todo intuitivo. A professora levou a maior parte do tempo explicando, de giz na mão, ao lado da pedra.

A aula terminou, quatro horas depois de começada, com uma palestra da preceptora sobre hygiene do corpo, os deveres da creança e o respeito dos direitos dos outros. Desde a infancia, prégavam ao cidadão do Kiato aquellas doutrinas. Começava a ouvil-as desde a escola primaria até á universidade.

Ver uma escola era ver todas. O magisterio ali não era exercido como simples meio de vida. O titulo de professor era honra naquelle meio. A nação pagava com prodigalidade os pedagogos, percebendo os professores primarios os mesmos honorarios que os professores da universidade. Ensinar a ler era tarefa superior a ensinar disciplinas.

Paterson limitou-se a visitar mais umas quatro escolas. Conhecel-as todas era-lhe impossivel. A capital tinha uma população de quinhentos mil habitantes e para cada cem havia uma escola. Em todo o Reino, não existia um só analphabeto.

Nos primeiros tempos da vida daquelle povo, depois da decadencia, as leis eram severissimas, os crimes graves punidos com a morte. A forca trabalhava mas não corrigia. O ensino era obrigatorio. O pae que não mandasse o filho á escola era castigado com multas pesadas e na reincidencia com prisão.

Mas o rigor das leis foi enfraquecendo, á medida que o povo se foi revigorando, adquirindo a saude do corpo e do espirito deteriorada pelo alcool, pela syphilis e pelo tabaco. Desappareceram, afinal, por desnecessarias.

A instrucção publica não tinha fiscaes. Os inspectores escolares, simples figuras decorativas dos paizes atrazados, não eram conhecidos.

O professor, conscio de suas obrigações, de suas responsabilidades, não precisava que o vigiassem obrigando-o a cumprir os seus deveres.

Paterson visitou uma das cinco escolas normaes da capital. A vista do predio impressionou-o agradavelmente. Não era uma pesada massa de alvenaria sem arte e sem hygiene que tinha deante dos olhos, mas uma construcção leve, cercada de jardins, um pavimento terreo de grandes dimensões dividido em espaçosos salões. Em cada compartimento ensinava-se uma disciplina, O programma era variado. Exigia do professor uma cultura muito superior á que precisava para ensinar, porque ali se preparavam não só as mulheres que se destinavam ao magisterio como as outras da capital. Não havia estabelecimentos particulares de instrucção. O programma constava de francez, inglez, allemão, italiano, geographia geral, historia universal, historia do reino de Kiato, elementos de physica e chimica, historia natural, pedagogia, hygiene escolar e domestica, rudimentos de toxicologia, musica, desenho, mathematica elementar, trabalhos de agulha, arte culinaria, arte de engomar. A matricula era de cem alumnos, interdicta aos homens.

Paterson começou assistindo á aula de pedagogia. A professora fazia uma preleção em linguagem singela e clara sobre «o methodo intuitivo», mostrando a sua vantagem sobre os outros. Era a percepção sem o raciocinio. O botanico, exemplificava, gastaria tempo e palavras para fazer o alumno comprehender, e mal, a estructura de um tecido vegetal. Si em vez, porém, do raciocinio preferisse a intuição, levaria o tecido ao microscopio e o alumno veria e comprehenderia sem raciocinar o que é um tecido e a forma das celulas.

A professora dissertou ainda muito tempo sobre o assumpto. Depois, occupou-se dos deveres do preceptor para com os seus discipulos, a brandura, o carinho com que devia tratal-os. Relembrou a decadencia, o tempo em que as creanças, portadoras de taras geradas pelo alcool, eram por isso insubmissas, viciosas, e que, para modificar-lhes as inclinações, o professor lhes inflingia castigos corporaes, tinha a palmatoria e o chicote sobre a mesa, mas tudo sem resultado apreciavel.

O menino que agora ensinavam a ler era docil, obediente, cumpridor de seus deveres. Os cuidados do mestre não deviam ser somente velar pela saude da creança na escola, mas vigiar tambem pela saude do espirito. O cumprimento do dever e o respeito ao direito dos outros deviam repetir á creança todos os dias, em pequenas historias ao alcance de sua intelligencia e idade.

Acabada a lição, Paterson sahiu e foi assistir, em um salão contiguo, á aula de hygiene.

Uma formosa mulher de vinte e tantos annos falava a suas discipulas, algumas dezenas de meninas de 12 a 15 annos:

— O aceio do corpo, como um dos maiores factores da saude devia ser lembrado todos os dias para que não o esquecessem. O nosso organismo é como o da planta, precisa de ar e de luz. Os individuos que vivem em atmosphera que se não renova perdem a saude, como as plantas que vivem na sombra se estiolam. O aceio do corpo, — trazer a pelle sempre limpa, os poros abertos para ajudarem ao pulmão a oxigenar o sangue — é um dos preceitos da sã hygiene. Os poros da pelle representam um papel importante na economia, como os estomatos no organismo vegetal. São milhares de pequenos orifícios que dão entrada ao ar e sahida ao suor, ajudando os rins a purificarem o sangue, mantendo a transpiração, que por sua vez conserva a temperatura e a energia nervosa. Si com uma camada impermeavel obstruirmos os poros da pelle, a vida cessará. Uma das partes do corpo que deve estar sempre limpa são as mãos, que precisam ser lavadas muitas vezes ao dia, principalmente antes das refeições e ao deitar. Nunca devemos passar as mãos nos labios, nos olhos ou no nariz. Os dedos, embora limpos, podem levar germens maleficos que pululam no ar. As unhas, estes viveiros de microbios, devem ser tratadas com rigoroso aceio. Sempre aparadas, sempre cuidadas, para que não se acumule nellas a menor particula de sujidade. A policia da bocca deve ser tão tão rigorosa quanto a das mãos. Na bocca vivem microbios de diversas molestias que esperam somente occasião azada para agredirem o organismo. Assim, ella deve ser lavada pela manhã, depois da refeições e ao deitar. A vossas discipulas repeti sempre que a sobriedade traz a saude do corpo e prolonga a vida. Que os alimentos devem ser muito bem triturados pela mastigação, para depois serem ingeridos. Os sevandigos, as pragas são vehiculos de molestias que se transmittem ao homem. No tempo da decadencia, o Reino era infestado por toda a casta de parasitas damninhos: moscas, pulgas, percevejos, mosquitos, os quaes a hygiene acabou por completo. Si algum dia sahirdes de vossa patria ponde voz de guarda contra os sevandigos, mormente a mosca, vehiculo de germens de differentes molestias.

Sois virgens hoje e amanhã sereis mãis; cumprireis no futuro a missão mais sublime da mulher — a maternidade. — Incuti em vossos filhos desde a mais tenra edade o habito do aceio. Aleitae-os vós mesmas, porque a aleitação artificial tem morto mais creanças do que todas as moléstias reunidas.

Nos paizes em decadencia, as mulheres são mães somente porque têm filhos. Para não envelhecerem depressa, para não se privarem dos bailes, dos theatros, entregam os filhos a amas que os aleitam, os cuidam, transmittindo aos pequeninos as suas diatheses. Outras, nem isto fazem: alimentam as creanças com leite de animaes. Não esqueçais que a primeira infancia precisa de cuidados, de carinhos que só as mãis podem dar...

Paterson ouvia surpreso as palavras da professora. Dizia para comsigo: em outras terras, para as mãis civilisadas do mundo, seria um absurdo as palavras que acabara de ouvir. Qual a professora que falaria a virgens em maternidade?! Temeria offender-lhes a pudicicia, como si não fosse pura ficção nos paizes civilisados, onde o luxo, a moda deturparam os costumes, a moral. Uma virgem em França, por exemplo, não queria que se lhe dissesse que havia de ser mãi, que lhe ensinassem a crear os filhos quando os tivesse, porque lhe offenderiam o pudor. No entanto, a sua pudicicia não se revoltava quando expunha o corpo meio nú aos olhares caprinos dos homens!... Os decotes escandalosos que descobriam a raiz dos seios, os vestidos sem mangas, que deixavam ver os pellos da axilla, as saias que mostravam as pernas até os joelhos, tão justas, tão agarradas ao corpo que deixavam bem desenhadas as coxas e os quadris, não lhes offendiam o pudor?! E’ que a virgindade para essas meninas era só physica e não moral.

Paterson, ao sahir, avistou uma dependencia do edificio que lhe pareceu uma cosinha. Dirigiu-se para lá. Effectivamente, a arte culinaria fazia parte das disciplinas da escola.

Uma duzia de alumnas, ao lado da professora, de gorro e avental, trabalhava preparando comidas.

Paterson ficou maravilhado do aceio da cosinha.

O espaçoso pavilhão era ladrilhado de marmore. Nas columnas de ferro que o sustentavam, enredavam-se virentes trepadeiras mosqueadas de pequeninas corollas multicores, das quaes se evolavam capitosos odores. Aquella gente não comprehendia a vida sem flores e sem perfumes.

Os fogões eram electricos e os utensilios todos de aluminio.

Paterson observou que não havia carne. Em compensação, um sem numero de variedades de pratos de hortaliças e alguns de peixes. A arte do pastelista chegára ali a perfeição.

Um pouco adeante, encontrou outro pavilhão; era a lavanderia. Um grupo de moças, com a professora, lavava roupas em pequenos tanques de marmore. Eram quadrilateros de profundidade de 20 centimetros, tendo em uma das extremidades um pequeno plano inclinado e na outra um escoadouro para as aguas, escoadouro que dava para um deposito subterraneo.

Pouco adeante, uma lavanderia mechanica, movida pela electricidade, cuja perfeição era admiravel. A roupa entrava suja para a machina e em pouco tempo, sahia lavada, dobrada e cheirosa.

A electricidade faz destes milagres, ainda mais numa terra em que era a força motora por excellencia, da qual tinham tirado prestimos ignorados dos paizes mais civilisados.

Visinho ao pavilhão da lavanderia, o da engommagem.

Paterson foi apreciar de perto o prodigioso invento.

Uma machina, servida por força electrica, recebia a roupa lavada e minutos depois a entregava perfeitamente engommada, lustrosa, as aberturas das camisas como se estivessem envernisadas.

Uma duzia de normalistas e a professora trabalhavam ali.

Havia tambem uma engommadeira manual.

Numa mesa estreita e comprida, de marmore, duas alumnas engommavam com ferros especiaes, differentes dos ferros usados em todo o mundo e aquecidos pela electricidade. A roupa, depois de aquecida, recebia um pó que a engommadeira fazia cahir de um pulverisador em chuva finissima e depois o calor do ferro o ia espalhando uniformemente até que a roupa espelhasse de brunida.

Paterson cada vez mais se convencia de que naquella gente havia uma comprehensão nitida e precisa da vida. Deixou o pavilhão e entrou de novo no edificio, para assistir á aula de hygiene. A professora explicava em linguagem clara e concisa como se devia conservar a saude do corpo, o papel que representa a agua na vida do organismo; impura, é factor de muitas enfermidades. Fez ver o pouco valor da medicina e o grande da hygiene. E’ melhor prevenir a doença do que cural-a.

Encareceu a sobriedade, como condição especial da saude. Citou o sabio adagio — «O homem abre a cova com os dentes». Referiu-se ao tempo da decadencia, em que havia um medico em cada quarteirão e uma pharmacia em cada canto. A media da vida era de quarenta annos! O homem renasceu no dia em que se expurgou das taras, das diatheses maleficas, que o infeccionavam.

Os habitantes do Kiato eram felizes porque tinham o corpo são, e quem o tem são tem tambem o espirito. A sobriedade é o apanagio da fortaleza de animo. Encerrou a prelecção com um voto de gratidão á memoria de Pantaleão I, espirito illuminado que legou aos compatriotas a unica felicidade na vida — «a fraternidade humana».

Paterson sahiu satisfeito com a lição. Ouvira palavras que se não perdiam.

Deixando a Escola Normal, visitou os Lyceus de Humanidades e o de Artes e Officios.

O que mais o enchia de admiração era a competencia do professorado. Eram sabios, não apenas professores.

Dirigiu-se á Universidade, um grande edificio isolado no meio de jardins.

Cada disciplina tinha um salão, com o gabinete ao lado. A tudo presidia a ordem e o aceio. A primeira aula que encontrou funccionando foi a de bacteriologia. A prelecção do mestre era sobre — «o impulso que soffreu a sciencia com a descoberta do infinitamente pequeno».

Falou da importancia do acaso nas descobertas. Lembrou as palavras de Pasteur que dizia: — «o acaso só favorece aos espiritos cultos e observadores».

Como foi descoberto o telegrapho sinão pelo acaso? Derested, physico dinamarquez, observou um phenomeno que, a um espirito que não fosse preparado, teria passado despercebido. Viu que um fio de cobre atravessado por uma corrente electrica desviava de sua posição a agulha magnetica. Estava descoberto o telegrapho electrico...

Lembrou como foram descobertas as leis do pendulo. Milhares de homens tinham visto na cathedral de Pisa a oscilação da lampada suspensa do tecto, mas a nenhum impressionára o facto. Foi preciso que um espirito culto e observador como Galileu visse o phenomeno para delle tirar grande proveito para a sciencia e para as artes.

Uns vinte alumnos ouviam o professor com grande attenção. Não se ouvia outro som sinão o das palavras do mestre.

A lição era sobre o microbio do typho. Não havendo molestia em Kiato, a Universidade recebia preparações do estrangeiro.

O typho havia sido uma endemia no Reino, mas foi se extinguindo aos poucos, á medida que o homem adquiria o vigor perdido.

A phagocythose é imperfeita nos individuos minados pelo alcool, pela syphilis, porque os phagocythos são egualmente enfermos. Nem sempre a lucta dos que fazem a defeza organica é vencedora; os invasores ás vezes triumpham e o organismo morre envenenado pelas toxinas produzidas pelo inimigo, dizia o professor.

A phagocythose no organismo são é de uma resistencia assombrosa. Só assim se explica o caso de individuos escaparem de molestias contagiosas em um meio contaminado, sem outra immunidade a não ser a propria defeza organica,

Não ha individuo refractario á molestia, nem mesmo temporariamente. O estado de receptividade ou não, de uma doença infecciosa, é somente devido á força dos phagocythos. E vencem o mais poderoso inimigo, que a prova está no povoamento da terra quando a medicina e a hygiene não existiam. Os primeiros homens não adoeciam graças á sua poderosa defeza organica.

Os microbios pathogenos sempre existiram; não foi a civilisação que os gerou. Isso prova a geographia das molestias. A peste bubonica é filha do Ganges, como a febre amarella é das Antilhas.

A degeneração da especie humana começou no dia em que Noé se embriagou pela primeira vez. A maldição que o patriarcha lançou sobre seu filho Cham por ter mofado de sua nudez é symbolo do Livro Santo. Noé amaldiçoou aos que se embriagassem e ás suas gerações. Desde esse tempo a phagocythose começou a perder a energia.

O professor, depois destas considerações, começou a explicar theoricamente a vida, os costumes, a resistencia, e como penetra no organismo humano o baccilo de Erberth.

Seguiu-se depois o estudo pratico. Levantou-se e chegou ao microscopio.

Paterson pasmou quando descobriram o instrumento. Nunca vira um de egual poder nem tão aperfeiçoado. Uma monera ficaria do tamanho de uma mosca e illuminada!!

O professor explicou detidamente a technica do mictoscopio; depois, collocou a preparação e observando o campo viu, com o augmento de cinco mil diametros, os microbios evoluindo.

Deixou o instrumento para ser substituido por um alumno. Emquanto este applicava a vista á lente ocular, o professor falava sobre a forma do microbio e mandava que fosse dizendo o que ia observando. E assim se succederam, até o ultimo da turma.

Acabada a lição, Paterson entrou em outro salão: a aula de pathologia interna.

O professor dissertava sobre a cyrrhose do figado, molestia muito commum em todo o Reino no tempo em que se usavam bebidas alcoolicas. Ha duzentos annos, poder-se-ia fazer um estudo pratico desta enfermidade. Mas, hoje, na falta de doentes, limitava-se a estudar a pathogenia da molestia, os seus symptomas, histologia, os meios de diagnostical-a. A pathologia interna não podia ser estudada theoricamente. Só á cabeceira do doente o alumno comprehenderia bem a explicação do mestre.

A sciencia havia progredido nestes ultimos tempos. A descoberta do raio X foi uma grande conquista. Sem o seu auxilio, como diagnosticar um neoplasma do tubo digestivo, um aneurisma ainda em começo, ou qualquer outra anormalidade do organismo, os diversos estados morbidos sem symptomas pathognomonicos, sem syndromas que ortentem o medico, que o levem a um diagnostico certo?

Proferidas as ultimas palavras, o professor convidou os discipulos a acompanharem-no ao gabinete.

Passaram do salão grande a um contiguo, de menores dimensões.

Grande foi a admiração de Paterson.

Muitas vitrinas de vidro, perfeitamente limpas, encostadas ás paredes, deixavam ver preparações de cera representando diversos estados pathologicos.

No centro da sala, uma grande mesa, sobre a qual estava um manequim humano de perfeição incrivel. Aberio o thorax e o abdomen, o tronco finalmente, pelo lado anterior appareceram as visceras do tamanho natural, coloridas ao vivo, podendo-se abril-as e fazer o seu estudo anatomico. O professor approximou-se.

Cercaram-no os discipulos. Uma vez descoberto o hypocondrio direito, mostrou o figado cyrrhoso. Dissertou sobre o estado pathologico da viscera, as causas daquelle estado, as desordens do organismo produzidas pelo pessimo funccionamento da glandula. Chamou a attenção dos alumnos para a magreza, o facies de enfermo, para o seu crescido e disforme abdomen.

Acabada a prelecção, dirigiu-se a um compartimento contiguo, seguido dos alumnos: era a sala do raio X.

Ao lado do apparelho, fez a apologia daquelle grande invento, que marcou uma nova era na vida da sciencia medica. Depois fez funccionar o instrumento. Accesos os focos electricos, que se reflectiam em um sem numero de espelhos concavos e convexos, a claridade excedeu á do sol. Convidado um dos discipulos a entrar naquelle banho de luz, foi envolvido pela onda luminosa e o seu corpo tornou-se diaphano, transparente.

Professor e alumnos, armados de oculos negros, observavam o funccionamento daquelle organismo, surprehendido em flagrante, como si estivessem vendo trabalhar a machina de um relogio. Viam claramente circular o sangue, desde o coração aos capilares dos membros, depois voltar ao coração. Viam como funccionavam os pulmões, as vesiculas enchendo-se de ar; o trabalho da digestão e das glandulas que o auxiiliavam; as funcções do appendice, segregando um liquido que o humedecia; as contracções peristalticas, emfim, tinham á vista desvendada a physiologia humana em todos os seus detalhes.

Para avaliarem o funccionamento do engenhoso apparelho da epiglote, o professor deu ao alumno um copo d’agua. A cada gole que ingeria, a cada deglutição, viam claramente a epiglote abaixar-se e fechar hermeticamente a glote, impedindo assim o liquido de entrar na trachéa.

O professor findou a lição lançando um anathema sobre o uso das bebidas alcoolicas.

Paterson voltou ao hotel, porque se approximava a hora do almoço.

Esta obra entrou em domínio público no contexto da Lei 5988/1973, Art. 42, que esteve vigente até junho de 1998.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.