XIX

O Jurupari


ESTE é um diabo dos indios. E’ espirito mau que aparece nos sonhos e provoca pesadelos horriveis. Insonia, mal estar, falta de tranquilidade, todas essas coisas desagradaveis são artes do Jurupari.

— Mas como é ele?

— Um espirito. Nao tem forma. Um espirito mau que se diverte em agarrar os que estão dormindo e causar-lhes horriveis pesadelos; e como segura as vitimas pela garganta, elas não podem gritar.

— Oh, já tive um pesadelo assim! Ia caindo num buracão enorme. Quis gritar por vovó, mas foi inutil. A voz não saía...

— Era um Jurupari que estava atormentando você, explicou o saci — e ia continuar quando parou. Um ruido entre as folhas despertara a sua atenção.

Psshut! exclamou ele em voz baixa, segurando o braço de Pedrinho. Vem por aí qualquer coisa...

O menino ficou imovel, com o coragio a bater apressadamente, apesar da sua valentia.

Era um Curupira que chegava.

— Veja! disse o saci ao ouvido de Pedrinho. Tem cabelos vermelhos e pés virados para trás...

— Parece um menino peludo...

— Sim, e é mesmo um menino peludo que toma conta da caça nas florestas. Só admite que os caçadores cacem a caça de que precisam para comer. Aos que matam por matar, por malvadez, e aos que matam femeas com ninhadas que ainda não podem viver por si, o Curupira persegue sem dó.

— Bem feito! Mas como os persegue?

— De mil maneiras. Uma delas é disfarçar-se em caça e ir iludindo o caçador até que ele se perca no mato e lá morra de fome. Outra é transformar em caça os amigos, filhos ou a mulher do caçador, de modo que sejam mortos por ele. Esse que vai passando está a pé; mas em regra o Curupira anda montado num veado e traz nas mãos uma vara de japecanga, sempre acompanhado dum cachorro de nome Papamel. Quando avista um caminhante na estrada começa logo a cantar:

Currupaco papaco
Currupaco papaco

— Isso é cantiga de papagaio! disse Pedrinho, lembrando-se de varios papagaios que sabiam essa cantiga.

— Sim, cantiga que o Curupira ensinou aos papagaios, porque o papagaio, como você sabe, não inventa cantigas, apenas repete as que ouve.

Mas o Curupira, com os seus pés voltados para trás, não se demorou muito por ali. Descobriu um rasto de paca e lá foi, para ver como ia ela passando lá na sua tóca.

Quanta coisa estou aprendendo nesta mata! exclamou Pedrinho. E’ um verdadeiro livro aberto...

— E muitas mais irá aprender. O que estou mostrando é o que em geral anda escondido, ou é invisivel para a maioria das criaturas. Quer conhecer mais alguns seres desse genero?

— Quero, sim. Quero conhecer a Iára e o Boitatá.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.