Albuquerque, senhor de engenho com quem Maurícia contratara os seus serviços, pertencia, segundo o está atestando o próprio apelido, a uma das primeiras famílias de Pernambuco. Em muitos pontos adiantado pela natural influência das idéias modernas, mostrava-se sumamente aquém do seu tempo no tocante às antigas regalias de sangue. Revia-se com vaidade que para assim dizermos trouxera do berço, nos pergaminhos da família. Esta vaidade era nele uma como intuição inata e irresistível. A educação, que se ajustara a esse molde tosco, dera-lhe novos acrescentamentos.
De seu natural, era brando e benévolo, não obstante serem rudes os sentimentos e algum tanto carregadas as tradições que herdara dos seus maiores.
Quando se sentia pisado na dignidade por pé, movido pela audácia, elevava-se a toda à altura do passado, e no vasto arsenal da família encontrava, senão armas de aço fino e cortante com que rebater o agressor, as armas da soberba, do desdém, da altivez, e, às vezes, até as da ameaça e da hostilidade moral.
Estações desfavoráveis e contratempos privados tiveram-no por alguns anos em embaraços e atribulações que o assoberbaram.
Chegou a ver quase todos os seus bens arriscados. Mas os tempos melhoraram e pode desempenhar-se dos seus compromissos. A paz e a fortuna vieram ocupar de novo no lar, onde um eclipse se demorara não sem grande desânimos e desgostos, o lugar que lhes pertencia antes das adversidades agora de todo desaparecidas.
Foi por esse tempo que o serviços de Maurícia foram aceitos. Alice, última filha de Albuquerque, entrava no seu décimo ano de idade; urgia ter educação. Quanto ao primogênito, por nome de Paulo, este não inspirava cuidados a Albuquerque; tinha dezessete para dezoito anos e não dava mostras de vocação para letras. Muito cedo deixara a escola, para dedicar-se de corpo e alma à agricultura, que era a carreira de sua predileção. Fosse que a vocação o inclinasse fortemente para a vida do campo, onde o contato com a natureza despertava em seu espírito novas simpatias pelos prazeres inocentes que aí encontram; fosse que os eu gesto procedesse dos hábitos a que desde a primeira idade se entregara de coração, certo é que Paulo era, ao tempo desta narrativa, o tipo do agricultor, e nele tinha seu pai as melhores esperanças. A capacidade do rapaz em regular o serviço de engenho; a sua discrição em tratar com os trabalhadores e os interesses da grande propriedade o haviam tornado objeto de tão larga confiança que Albuquerque só tinha olhos para o que constituía a administração exterior; das porteiras para dentro, Paulo superintendia em tudo. Quando alguém procurava o senhor do engenho, a fim de lhe pedir qualquer favor, ou colocação, Albuquerque dizia:
— Entenda-se com o Sr. Paulo, que é quem sabe o que precisa, ou o que se pode fazer. O que ele decidir está decidido.
Paulo experimentava precisamente por aquele tempo a necessidade de completar-se. As cenas da Natureza, seus painéis, suas belezas, suas maravilhas, provocavam-lhe o espírito de risonhas visões; mas no fundo dessas visões o que suas mãos encontravam, quando ele buscava verificar se aí havia o que a imaginação gerava e coloria, era a ausência da realidade; as proporções desta mediam-se pelas terras do engenho.
Quando voltava do serviço diário, tinha bom apetite, e depois da última refeição o corpo, que requeria repouso, achava na cama novas forças, trazidas pelo sono para recomeçar no dia seguinte a tarefa interrompida na véspera. mas esta fase de apetite, que se satisfazia com os alimentos, e de fadiga que desaparecia com o sono reparador, tinha de ser profundamente alterada; o coração devia dar sinais do termo de seu repouso e da aproximação do seu despertar; a imaginação devia exigir visões e sonhos diferentes dos que inspirava o espetáculo dos campos, dos rios, das matas.
Paulo sentira nos últimos tempos acender-se no intrínseco do seu peito fogo desconhecido, que, por ser tal, não deixava de o abrasar. Sentiu anelos teimosos, prazer e tristeza, crença e dúvida, que não sabia explicar e mal conhecia, porque a essência de sua vida assentava na inocência, que o campo alenta. Um mestre particular ensinara-lhe as primeiras letras. Não se tendo achado em contato com a meninice trêfega, ou com a juventude viciosa de certos colégios, quase todas as pequenas corrupções que se devem a tais centos, e que são, muitas vezes, a origem de grandes corrupções sociais, lhe eram inteiramente desconhecidas. O seu espírito podia considerar-se estreme, o seu coração podia reputar-se de um modelo digno de ser estudado e seguido.
Quando de volta do trabalho, Paulo achou uma tarde em casa a menina de fisionomia triste, olhar meigo mas, melancólico, adivinhou por lúcida previsão, que a sorte lhe trouxera, enfim, aquela delicada forma do espírito, da bondade, da dedicação, do amor que ele, apenas, conhecia como deliciosas abstrações ou vagas fantasias.
Virgínia era tão fraca de compleição que, à primeira vista, todos sentiam apreensões pela sua existência.
Olhando-se para aquele corpo franzino, delicado, posto que não desgracioso, antes cheio e modesta elegância, pensava-se que não há formas que não resistem senão por muito pouco tempo ao trabalho das intempéries e dos climas. Tinha-se pena de pegar em sua mão, porque parecia que com qualquer movimento menos brando poderiam sentir-se os dedos finos, a palminha delicada, o bracinho delgado da encantadora menina.
À Maurícia atribui-se este conceito a respeito da filha:
— Virgínia parece ter nascido de um respiro, e estar destinada a morrer de um sopro!
Uma vez, conversando com D. Carolina, mulher de Albuquerque, sobre a fraca organização da menina, dissera Maurícia:
— Quando da minha janela vejo Virgínia passeando ao sol posto, pelo cercado, e trazendo soltos sobre o roupãzinho branco os cabelos louros, só se me afigura ter diante dos olhos uma nuvenzinha que caiu das alturas sobre a terra.
A natureza caprichosa na distribuição dos seus favores dera a Virgínia, como se fizera para resgatar a fragilidade do corpo, o mais vigoroso espírito que já se viu em tão verdes anos.
Em casa, quando a viam vencer ao piano algumas das grandes dificuldades que as óperas oferecem, diziam:
— Não nega que é filha de quem é!
Não andava longe da verdade a gente do engenho, quando se exprimia a respeito de Virgínia, nesse desataviado modo porque o povo traduz os seus conceitos. A verdade, porém, a verdade completa, era que a menina trouxera do berço, com o talento, outros muitos tesouros, a saber, juízo, porque, cada uma destas virtudes é uma grandeza, capaz por si só de caracterizar, não dizemos tudo, de encher uma existência.
Quando Maurícia chegou ao engenho, Virgínia, com ser muito nova, tinha já quase completa sua educação. As qualidades insignes que brilhavam em sua mãe, por uma como reprodução mágica, se tinham continuado nela porventura mais vivas e adoráveis.
Paulo ficou extasiado diante daquela criaturinha que escrevia e falava corretamente o francês, tocava graciosamente piano, entendia de geografia e desenho, cosia, bordava; Virgínia pagou igual tributo de admiração: achou em Paulo tamanha candura, tanta conveniência nas ações, tanta compostura no dizer, no olhar, no falar, no sorrir, que não pode deixar de comunicar a Maurícia sua impressão; e o fez nestes termos:
— Que bonitos modos tem o filho do Sr. Albuquerque, mamãe!
Estas duas admirações tão irmãs, tão naturais, tão espontâneas, de duas organizações virgens, de diferente sexo, só podiam trazer um resultado - a enamoração mútua, o que queria indicar um sentimento comum - o amor. Mas este amor nasceu sem fogo, sem veemência, sem estridor; nasceu límpido e brando, como nasce no deserto, por sob a folhagem, cristalina fonte, cujas águas o sol não queima e a tempestade não revolve. Foi um relâmpago que fulgiu ao longe; todos viram o seu clarão, mas ele não deslumbrou ninguém, e não foi seguido de medonho estrondo.
Testemunhemos uma das manifestações desse amor.
Uma tarde, Albuquerque, de passagem para o cercado, ouviu o rumor das vozes dos dois jovens em colóquio no oitão da casa. Estavam sentados sobre uma viga de sucupira, que ali esperava, ao tempo, o verão para ir substituir uma trave podre da coberta.
Era longe deles o pensamento de ocultar-se às vistas da família. Encontraram-se por ali casualmente. Paulo por ocasião de ir verificar quantas formas havia na casa de purgar. Virgínia de caminho para a choupana de uma moradora a quem devia encomendar umas varas de rendas de que precisava Maurícia. Sentaram-se um momento, e entraram a conversar, sem lhes ocorrer nenhum pensamento de que semelhante passo poderia dar causa a reparos.
A tarde estaca deliciosa. Namorados de outra esfera, namorados da cidade, trocariam ente si, apartados como estavam eles do centro da família, frases de sentido duvidoso, e talvez amplexos e beijos, que arriscassem as canduras que velam as primeiras paixões, como as neblinas ocultam os abismos . Aqueles dois pintassilgos, porém, meigos e inocentes, tinham suaves confidências que eram mais gorjeios do que palavras.
Eis o que eles diziam:
— Caiu? E por meu respeito! Quem o mandou à árvore?
— Queria trazer-lhe estes ingás. O galho, onde pus os pés, estava podre, e vim ao chão antes e tirar as frutas.
— Podia ter-lhe sucedido alguma coisa pior, Paulo. Para que faz isso?
— Como não tinha uma lembrança que lhe trazer, corri às frutas logo que as vi. Eu quero que você saiba, Virgínia, que não me esqueço nunca de você.
— Eu bem sei que você me quer bem. Não é preciso que se exponha a perigos. Não caia em outra, Paulo.
Outra vez foi D. Carolina que deu com eles conversando depois do almoço.
— Volte cedo hoje - dizia Virgínia. Quando você chega já estou cansada de esperar; tenho curtido uma saudade imensa. Assim que me parecem horas, subo ao quarto de mamãe, e da janela olho ao longe; nada de você aparecer! Vejo somente as árvores, os canaviais, os caminhos sem gente. As horas custam a passar. O sol fica preso no céu, e não anda.
— Que hei de fazer? disse Paulo em resposta. Não sabe que sem mim os negros não trabalham?
— Se mamãe não se agastasse, eu era capaz de ir fazer-lhe companhia no serviço. Que é que tinha? Levava a minha costura, e tendo-o por junto de mim, sentiria grande prazer no meu trabalho.
Para este rasgo de amor singelo e inocente, Paulo teve uma resposta muda: passou o braço pela cintura de Virgínia e apertou-a contra o peito. A menina inclinou os olhos ao chão e pela primeira vez, sentiu, por um gesto de Paulo, o sangue subir-lhe as faces.
D. Carolina julgou prudente referir o que vira ao marido acrescentando algumas reflexões.
— Já uma vez - disse Albuquerque - achei-os conversando ao lado do alpendre. Sua conversação era inocentes, mas indicava que eles se amam.
— Não será tempo e atalhar este sentimento? Paulo, se as coisas continuarem como vão, virá a perder o casamento com Iaiazinha, e isto seria muito desagradável porque há toda uma conveniência em que se case com a prima.
— E é verdade - tornou Albuquerque; são parentes muito chegados; o sangue é o mesmo. Quanto à fortuna de Iaiazinha pode calcular-se em cem contos de réis. Mas qual o meio de impedir, sem risco de desagradar a D. Maurícia o desenvolvimento destas inclinações? Se Alice não precisasse hoje, mais do que nunca, dos serviços de D. Maurícia, a dispensa destes serviços remediava o mal, e podia realizar-se sem o indício do seu principal motivo; mas devemos acaso arriscar-nos com alguma providência de rigor e perder tão boa mestra? Demais, o que não sucederia nesta casa com semelhante separação? Alice, como você sabe, tem para D. Maurícia afeição de filha; Paulo pelo mesmo. Por aí, calcule quanta tristeza não entraria aqui com a ausência dela. D. Maurícia é muito digna, é até responsável; e se não fosse viver separada do marido, estou quase a dizer-lhe que não haveria desdouro em Paulo casar-se com Virgínia, porque o que verdadeiramente se deve exigir na união conjugal - o amor, este os liga e promete ser indissolúvel. Ora, eu quero a felicidade de meus filhos, e não estou ainda deliberado a aprovar o casamento de Paulo com a prima, cuja educação não me parece boa. Esta é a verdade.
Esta linguagem na boca de Albuquerque era a maior das contradições, e só indicava que os merecimentos de Maurícia e Virgínia tinham dado golpe profundo no preconceito que fora até então a primeira lei moral do senhor do engenho.
— Eu também não estou longe de pensar com você neste ponto. Mas então, vejo lá aonde isso irá ter, porque a afeição deles, com a docilidade que há, irá aumentando de dia em dia, e D. Maurícia não cessa de dizer que nunca mais voltará para a companhia do marido. Veja, então, o que se há de fazer, concluiu D. Carolina.
Assim como aos olhos dos pais de Paulo os colóquios entre este e Virgínia pareceram depressa adverti-los que deviam velar sobre o futuro do filho, assim também aos de Maurícia eles indicaram os perigos que cercavam sua filha, não obstante a pureza e a grandeza do grande afeto dos dois jovens. Desde que conheceu a inclinação de Virgínia, começou a ter cuidados, vigilância, estremecimentos e apreensões pela menina. "Hoje são puros, ingênuos, infantis" dizia consigo no fundo do aposento, que se lhe havia destinado no sobrado da casa da vivenda. Mas quem me assegura que há de ser sempre um inocente égloga o amor deles? E se Virgínia, ainda quando seja sempre digna do seu nome, viesse Paulo a preferir outra mulher, sua prima por exemplo, quem lhe resgataria o dano que, depois de conhecidas as relações deles dois atualmente, semelhante acontecimento deveria trazer? Que imputações cruéis as línguas viperinas não se julgariam com o direito de irrogar a minha querida filha? Isso não pode continuar assim".
Maurícia tomou uma resolução súbita, e desceu à sala de visitas, onde Albuquerque estava lendo os jornais daquele dia.
— Sr. Albuquerque - disse ela, não sem rápidos toques de palidez nas faces, e ligeiro tremor na voz - desculpe que ainda tão cedo venha tomar-lhe o tempo.
— Alguma novidade D. Maurícia? - inquiriu quase sobressaltado o senhor do engenho.
— Tenho por grave e por da maior conta para mim o assunto desta entrevista.
— Sente-se ao pé de mim.
E Albuquerque ofereceu-lhe uma cadeira.
Maurícia não se demorou em falar-lhe nos termos seguintes:
— O Sr. já deve ter conhecido que Paulo e Virgínia se amam, e que seu amor, ao que parece, é puro e desinteressado.
— A senhora faz-me justiça quando diz que eu já devia conhecer a afeição comum ente meu filho e sua filha. De fato, essa afeição de há muito me preocupa.
— Tenho perdido noites de sono somente em cuidar nisso. Vivendo eu e minha filha a bem dizer às suas expensas...
— Não, senhora; em minha casa a senhora tem vivido do seu trabalho.
—... esse amor - prosseguiu Maurícia - poderá parecer a muitos um cálculo para eu melhorar de sorte, ou uma baixa retribuição da hospitalidade que recebemos.
— Em minha casa, Sra. D. Maurícia, não há ninguém, nem os meus escravos, que seja capaz de semelhante aleivosia.
— Eu assim penso, Sr. Albuquerque; mas fora da casa e até fora do engenho não há de faltar quem, por maldade, inveja, ou gosto diabólico se apresse a atirar a lama sobre o véu cândido de uma menina inocente que é digna da melhor sorte.
— Não tenha este receio. Os tempos dos falsos testemunhos já passaram, e a virtude resiste a todas as agressões da maledicência e de todas triunfa.
— Seja como for, tenho como mãe um dever imperioso a preencher neste grave assunto. Venho declarar-lhe positivamente, Sr. Albuquerque, que não há cálculo nem baixeza por parte da minha filha. Se Paulo tem brasões ilustres, sangue limpo corre pelas veias de Virgínia; se Virgínia é pobre, Paulo não é rico; se hoje eu e ela nos sentamos à mesa do Sr. Albuquerque, hoje mesmo podemos deixar vagos os nossos lugares para quem queira prestar os mesmos serviços que estou prestando.
— Conclua, D. Maurícia.
— Concluo, dizendo que preciso saber do Sr. Albuquerque a sua opinião a respeito das relações que entretém seu filho e minha filha.
Albuquerque tinha Maurícia em grande conta, e consagrava-lhe particular estima, que era compartida por todos os da casa. Ao princípio, tivera para ela a maior reserva. Terminadas as lições de Alice, Maurícia subia aos seus aposentos e a família recolhia-se aos que lhe pertencia,. Ficavam as comunicações interrompidas até a hora da refeição, em que Maurícia, descendo com Virgínia, vinha encontrar os donos da casa e sua discípula silenciosos à mesa, esperando por elas. Estas cerimônias duraram por algum tempo. Albuquerque e D. Carolina estudavam os costumes, os sentimentos, o caráter da mulher a quem tinham dado entrada, por necessidade, no seio da família. Tanto, porém, que reconheceram os largos merecimentos de Maurícia, cortaram o cordão sanitário que os separavam, e foram os primeiros que atraíram à intimidade a hóspede que ainda queria continuar as suas reservas. Então, Maurícia e Virgínia vieram a ser consideradas os primeiros encantos da casa e quase a fazer parte da família. Albuquerque apresentou-as com certo orgulho ás pessoas de representação que vinham passar dias no engenho. Neste, começou a reinar outra ordem de alegrias. Dantes, havia aí lautos jantares, mas sem grande animação; agora, já não era assim; com sua voz divina , Maurícia dava às reuniões o tom de verdadeiros saraus. Com ela, entrara ali a musa da harmonia, que deixava extasiados e saudosos os que iam passar os domingos com Albuquerque.
A brilhante sociedade que já concorria semanalmente ao engenho tornou-se mais freqüente, e aumentou e brilho e número. Um presidente de província foi passar um domingo em Caxangá somente para ouvi-la cantar.
Ouvindo as suas palavras Albuquerque não se deu por ofendido, antes acudiu a dar-lhes o maior apoio, procurando tranqüilizá-la.
— Não tenho sobre este objeto intenção hostil a Virgínia, que eu considero no caso de dar a Paulo a felicidade que ele deseja. Mas o casamento não se realizará senão depois e preenchida uma condição, uma condição única.
— Qual, Sr. Albuquerque? inquiriu a inquieta mãe, sentindo lavar-se no seu espírito, até aquele momento carregado de dúvidas e temores, no mais suave contentamento.
— Estão bem moços ainda; são duas crianças - prosseguiu Albuquerque. No governo da vida, Paulo é um homem perfeito; eu não sei se poderia em caso algum dirigir tão discretamente as minhas ações, e trazer tão bem velados os meus interesses. Mas Paulo, segundo a senhora reconhece, não tem fortuna; agora é que trata de formar pecúlio. Ele desmentiria seu conhecido juízo, se tomasse família sem os meios de a manter decente e dignamente. Talvez que já tenha estes meios, quando se preencher a condição de que lhe falei. Então, sim, D. Maurícia; o casamento, que nós e eles desejamos, se realizará com satisfação de todos.
— Mas não poderei saber qual é a condição a que o Sr. se refere?
— Permita que por ora não a revele. Em ocasião oportuna, a senhora será sabedora; mas dependendo a condição da sua vontade, ou do tempo, não há razão para supor que prometo o que é impossível. Está satisfeita, minha senhora?
— Estou tranqüila; satisfeita, ainda não, respondeu Maurícia, graciosamente.
— Esperemos pelo tempo - disse Albuquerque.
E levantou-se.
Maurícia imitou-o, e subiu. Levava um demônio no espírito.
— Que condição será esta? perguntava inquieta a si mesma, e não achava reposta que lançasse um raio de luz sobre este mistério impenetrável.
Neste mesmo dia, Albuquerque, dando parte a sua mulher do que se passara entre ele e Maurícia, disse estas palavras:
— Daqui até que Alice esteja de todo educada, hei de ter conseguido conciliar D. Maurícia com o marido, e então darei a Paulo a felicidade que mais deseja. Talvez, não seja preciso promover-se esta conciliação, à vista das circunstâncias em que ficava o marido de D. Maurícia por ocasião das últimas indagações a que mandei proceder no Pará. Estava pobre e enfermo. Conjeturo que a esta hora o infeliz já não mais existe.
Não chegou a contar-se uma semana que Albuquerque teve a prova de que era mentirosa a sua conjetura.