Para bem encaminhar esta narração, é preciso fazer entrar novos personagens, aos quais está destinado um brilhante papel.
Teles tinha um filho a estudar em S. Paulo; Tobias tinha uma filha em casa, moça de seus vinte anos, bonita, viva, verdadeira flor da vila, onde aliás não escasseavam mulheres bonitas.
Criadas juntas as duas criaturas, tinha-se desenvolvido entre ambas um sentimento mais vivo e menos desinteressado que a simples afeição fraternal dos seus primeiros anos. O que é certo é que a designação de minha mulher — e meu marido — conservou-se até à idade adulta, entrando muito nos cálculos dos dois pais ligá-los realmente pelos laços matrimoniais.
O rapaz chamava-se Alfredo Teles; era, nem mais, nem menos, um homem inútil. Fiado na fortuna do pai, desajudado de talento, o filho do subdelegado descurou os estudos jurídicos, e só alcançou simples aprovação em todos os anos, isso mesmo pela influência de um dos lentes que contava com o auxílio eleitoral do pai do Alfredo.
A vida de Alfredo em S. Paulo era nula: folgava, passeava, gastava; não tinha uma ocupação séria e definida; vocação só se lhe conheço uma, e decidida, era a dos anagramas. Alfredo gastava horas inteiras a fazer anagramas, com a mesma tenção com que estudaria um ponto de direito. Fora disso, não prestava para nada, o que não quer dizer que prestasse para muito.
Pouco tempo depois do rompimento de hostilidades entre os dois potentados, concluiu Alfredo Teles os seus estudos e encaminhou-se para a vila.
Elisa, a filha do juiz de paz, não era águia, mas tinha alguma viveza, e neste ponto valia mais que o maridinho; gostava dele, pela razão de que muita gente gosta do amarelo. Amor sincero ou costume, o que é certo é que morria por ele. Assim que, quando se anunciou a próxima chegada do Alfredo à vila, Elisa mostrou-se toda garrida e festiva, e disposta a recebê-lo como dantes, apesar da luta dos pais, porque, dizia ela, o amor não entende de política.
Mas o juiz de paz pôs embargos à ligeireza. Chamou-a e disse-lhe que não pensasse mais em casar com o rapazola, que era tão bom como o pai; a moça rogou, mas em vão; o pai tapou-lhe a boca com a razão da sua vontade, e a pobre foi obrigada a calar-se.
Alfredo, estando a duas léguas da vila, parou em um pouso para refazer-se e descansar. Enquanto o camarada tratava dos animais, Alfredo conversava com um viajante que vinha da vila. O viajante pouco sabia do que lá se passava, porque apenas se demorara meia hora, mas, para divertir-se no caminho, tinha comprado o último número da Atalaia.
— É novo este jornal na vila, disse Alfredo.
— Parece que é; este é o número 6.
— Quem é o redator?
— Redator e proprietário é o sr. Francisco Teles.
— Meu pai! deixe ver.
Alfredo percorreu o jornal, deu logo com as seguintes linhas:
A vila de *** está contente com as suas finanças, com a sua lavoura, com o seu vigário, com os seus médicos, com o seu subdelegado, só não está com o 1º juiz de paz Manoel Tobias, eleito pela força das baionetas.
Alfredo não pôde deixar de sorrir-se ao ler isto; ele bem sabia que a eleição de Tobias foi a mesma que levantou Chico Teles, e que além disso, não podia ser feita por baionetas, visto que os poucos soldados que existiam na vila tinham apenas uns trabucos velhos.
Até aqui chegava o espírito de Alfredo, e por isso ele riu; mas o que ele não podia apreciar é que a acusação das baionetas era apenas uma figura de retórica eleitoral, usada sempre pelas facções vencidas.
Riu-se o rapazola, mas não deixou de espantar-se vendo assim desquitados os dois chefes da vila, e sobretudo lembrou-lhe a filha do juiz de paz de quem ia ficar separado à vista daquilo.
Chico Teles foi receber o filho, e dar-lhe os parabéns.
Tomou-lhe a clássica folha, em que ele levava o diploma de bacharel, e mandou que a mulher a guardasse em lugar de respeito.
Alfredo pediu-lhe explicações do que vira na Atalaia, e Chico Teles explicou-lhe tudo.
— Quanto à filha daquele pelintra, acrescentou o pai, não penses mais nela. Hás de ter mulher mais digna de ti. Tens por exemplo, a afilhada do padre vigário...
— Não, meu pai, não; nesse caso não me saco.
— Não me saco? Que quer isto dizer?
— Perdão, meu pai, é um anagrama: saco é anagrama de caso. Eu queria dizer não me caso.
E foi tirar as botas.
Cumpre acrescentar que o filho de Manoel Tobias, que estudava em S. Paulo, e devia tomar grau no mesmo dia que Alfredo, não pôde fazê-lo por ter tido um mau exame, o que lhe ocasionou tanto desgosto, que se resolveu a não aparecer ao pai.
Esse rapaz, que se chamava Luciano Tobias, era inteligente, mas preguiçoso; a reprovação ofendeu-lhe os brios, e ele não quis aparecer ao pai, senão regenerado.