No fim do mês, mestre Gregório dirigiu-se à água-frurtada do poeta.

— Viva o meu amigo e guarda-livros! — exclamou o usurário entrando no aposento.

— Oh! O sr. Gregório! Muito bom dia!

O senhorio parecia pisar brasas; ia de um lado a outro do quarto, sem tomar uma resolução qualquer. Respirava alto; puxava os colarinhos — uns colarinhos fora do alinhamento -, esfregava a barba, o queixo, os olhos etc. Estava em crise o homem, infalivelmente.

— O que tem o senhor? Vejo-o preocupado.

O usurário de chofre estacou defronte do poeta.

— Eu cá não entendo de papas na língua. Um homem é um homem e um gato é um gato. Aqui está o que aqui me trouxe!

Dito isto mergulhou a mão no bolso do amplo casaco e descobriu uma carta volumosa. Passando-a a Paulo Maurício, fez menção de se retirar, quando o moço o deteve por um gesto:

— Perdão. Deixe-me primeiro ver de que se trata.

— Nada, nada. Nesses negócios não me quero eu meter. Desenrole a meada por si mesmo!

E retirou-se às pressas como um malfeitor perseguido.

O poeta abriu intrigado a carta, de dentro da qual caíram algumas notas do Banco do Brasil. Lançou os olhos para a assinatura. Leu Mendes. A carta dizia assim:

“Meu amigo, ou antes, meu filho. Que o seu orgulho não se sobressalte com a minha ousadia. Eu o estimo como pai e admiro-o como homem. Perdoe-me, novamente lhe rogo. Vá ao Garnier e muna-se de bons livros com a bagatela que inclusa achará. Para tão bom emprego destinei essa lembrança, que o seu coração não me criminará pelo atrevimento. Far-me-á relevante serviço de aceitar, e, maior ainda, e incomparável ventura, se quiser o vir à noite à nossa casa, rua das laranjeiras nº... onde acomodei minha família. É o dia dos anos de uma filha adorada. Como eu exultarei com a sua presença, meu grande espírito! E como seria para mim inefável contentamento se meu filho, um rapaz da sua idade, conseguisse ser seu amigo e discípulo desse raro caráter! Venha abraçar quem se presa de ser seu admirador e agradecido amigo."

P. Mendes.

O poeta leu três vezes a carta. Da segunda vez amarrotara-a convulso; da última sorriu com ar triunfante, colheu no chão as notas esparsas, e, acenando ao cão, desceu à rua.

Esbarrou na escada com a velha Angélica.

— Faça-me um favor, tia. Mande-me lavar e engomar para esta noite aquela camisa bordada.

— A que está na gaveta?

— Sim, e não se há de enganar, porque é a única da espécie.

Durante o jantar, Paulo Maurício mostrou-se jovial e parlador contra o costume. Mestre Gregório espreitava-o sorrateiramente, rindo-se por baixo da barba. À sobremesa, o usurário passou ao moço uma carta.

— Ainda outra? — perguntou o poeta franzindo o sobrolho.

— Isto agora é comigo acudiu de pronto o usurário. — Aumentei-lhe o seu ordenado; e entrego-lhe a demasia, descontando o aluguel.

Paulo Maurício guardou com a maior serenidade o dinheiro.

— Aceito e agradeço.

Às dez horas da noite entrara o poeta no salão principal da casa do fazendeiro. Ressoava a música e os pares entrechocavam-se, no meio dos perfumes e das luzes.

Mendes correu-lhe ao encontro, de braços abertos.

— Bem vê que não faltei.

— Se soubesse como me alegra a sua presença! Vou lhe apresentar minha família. Venha.

O fazendeiro conduziu Paulo Maurício à sua mulher, em primeiro lugar, logo depois ao filho, à filha mais velha, e finalmente à dona da festa, uma menina formosa, toda envolta em gazes e margaridas.

— Esta é a minha Cecília — disse ele.

— Se o sr. Mendes me permitisse... — aventurou o poeta.

— O quê?

— Que oferecesse uma lembrança do dia de hoje. É uma ousadia que a generosidade de V. Exa. — continuou ele dirigindo-se à menina — me relevará de certo.

O fazendeiro contemplou intencionalmente o poeta.

— Algum tesouro? — perguntou com a voz indecisa.

— Não: são flores. Violetas. Perdão, minha senhora!

E Paulo Maurício abrindo o lenço entregou um gracioso ramo de violetas à menina.

O filho do fazendeiro tomou o braço do poeta, e entrelaçaram-se aquelas duas almas generosas, presas de uma mútua e viva simpatia. De uma ocasião, o filho do dono da casa, obrigado a acudir não sei a que urgência social, deixou por alguns instantes o companheiro.

Quando voltou não o viu mais. Paulo Maurício havia abandonado o sarau.

Cecília procurava o pai por todos os cantos.

— Ah! Até que o achei, papai!

— Que temos?

— Olhe as artes do seu amigo Paulo Maurício.

O raminho de violetas trazia meio oculto por filigranas de papel-cambraia um rico porte-bouquet de ouro, cravejado de turquesas e diamantes.

O fazendeiro, depois de examinar de perto a jóia, entregou-a à filha, sorrindo amargamente.

— Indomável orgulho! — disse ele entre dentes.