O precursor do abolicionismo no Brasil/1.8
A VOLTA Á ATIVIDADE CIVIL
Uma índole insubmissa como a sua não cabia, não podia caber dentro das regras rígidas e necessariamente apertadas da disciplina militar. E o caso, por ele narrado na Carta, de sua insubordinação contra um oficial, revidando a um insulto, caso que lhe rendeu o encaminhamento ao “tapete verde”, mais de um mês de prisão, e, por ultimo, a baixa do serviço, tinha de acontecer, mais dia, menos dia. Estava dentro da lógica de seu temperamento.
Ademais, a Força Pública já lhe prestara o enorme, o importante serviço que ele pleiteava, quando lá entrara: a sua formação espiritual, o enrijamento do caracter, a solidificação de sua personalidade. Foi o benefício que a polícia lhe rendeu, dos 18 aos 24 anos de idade. E o incidente, que Gama relata com côres patéticas, ainda um tanto estomagado com a passagem, foi, ao contrário, a pedra de toque de sua individualidade. Revelou-lhe, marcadas e fixas, e dali por diante, inalteraveis, a altivez, a rebeldia, a incapacidade de conformar-se com a injustiça, qualidades que vinham de lá de traz, das impaciencias e das irrequietudes de Luiza Mahin, e que se apresentavam, agora, no filho, amalgamadas pela expressão soberana de uma vontade personalissima.
A Força Pública, se não lhe déra os hábitos de disciplina corporativa, se não conseguira interessá-lo na sua própria vida, criando-lhe no íntimo a aspiração da carreira do soldado, consentira-lhe realizasse o seu outro ideal de homem civil, disciplinado pela cultura.
Despida a farda, em 1854, perambulou por aí como escrivão de varias delegacias da Capital até ser nomeado, dois anos mais tarde, amanuense da Secretaria da Polícia. O dedo do protetor do Conselheiro Furtado de Mendonça se revela ainda uma vez, solicito e vigilante. Tinha o faro dos valores, aquele velho e ilustre professor de Direito. Quando ninguem compreendia a alma do grande negro, o jurisconsulto já lhe pressentira nos ombros as pontas nascentes de seus remigios de “aiglon”.
Pode dizer-se que, chegados a este ponto, a Carta de Gama a Lucio de Mendonça já não interessa mais. O abolicionista, na relação de seus dados biográficos, apenas contara ao amigo os trechos de sua vida menos importantes, aqueles em que sua vontade não influira propriamente nada ou em escala muito reduzida.
Para entendê-la, doravante, é mister seguí-lo nas suas manifestações sociais, que ele, modestamente, não quiz narrar em 1880.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.