V.


JUSTA VICTORIA É SEMPRE MALQUISTA.


Eis o balanço de mess Lethierry no tempo em que occorria isto. Durande comprio o que promettera. Mess Lethierry pagou as dividas, reparou os prejuizos, satisfez as letras de Bremen, fez face aos vencimentos de Saint-Malo. Exonerou a casa em que morava das hypothecas, comprou todas as rendas locaes inscriptas sobre a casa. Era possuidor de um grande capital productivo, a Durande. O rendimento liquido do navio era então de mil libras esterlinas e ia crescendo. A bem dizer, Durande era toda a fortuna delle. Era tambem a fortuna da terra. O transporte dos bois era dos que davam mais lucro; assim, para melhorar a arrumação a bordo, e facilitar a entrada e sahida do gado, supprimiram-se as malas e as faluas. Foi talvez imprudencia. A Durande veio a ter apenas a chalupa. É verdade que a chalupa era excellente.

— Já havia dez annos que Rantaine tinha roubado mess Lethierry.

A prosperidade da Durande tinha um lado fraco, é que não inspirava confiança; acreditava-se que era puro acaso. A situação de mess Lethierry era aceita como excepção. Dizia-se que elle fizera uma loucura feliz. Quiz alguem fazer o mesmo em Cowes, na ilha de Wight, e teve máo exito na tentativa. A tentativa arruinou os accionistas. Dizia Lethierry: É que a machina foi mal construida. Mas os outros abanavam a testa. As novidades tem contra si o odio de todos; o menor erro compromette-as.

Consultado ácerca de um negocio de vapores, disse o banqueiro Jauge, de Paris, um dos oraculos commerciaes do archipelago normando: É uma conversão o que me propondes. Conversão de dinheiro em fumo. Entretanto os navios de vela achavam sempre quantas commanditas fossem precisas. Os capitães teimavam em estar do lado da lona contra a caldeira. Em Guernesey a Durande era um facto, mas o vapor não era um principio. Tal era a pertinacia da negação diante do progresso. Dizia-se de Lethierry: Fez cousa boa, mas não ha de metter-se em outra. Longe de animar, o exemplo delle causava medo. Ninguem ousaria arriscar segunda Durande.