II.


CLUBIN DESCOBRE ALGUEM.


Zuela ia comer algumas vezes á pousada João. O Sr. Clubin conhecia-o de vista.

E o Sr. Clubin não era soberbo; não se desprezava conhecer de vista um tratante. Ás vezes chegava mesmo a conhecel-os de facto, dando-lhes a mão em plena rua. Fallava inglez com o smogler e engrolava hespanhol com o contrabandista.

A este respeito tinha elle as seguintes maximas:

— Póde-se adquirir o bem, pelo conhecimento do mal. — O monteiro conversa proveitosamente com o ladrão de caça. — O piloto deve sondar o pirata; o pirata é um escolho. — Trato de provar um velhaco como o medico prova o veneno.

Não tinha replica. Todos davam razão ao capitão Clubin. Era approvado por não ter escrupulos tolos. Quem ousaria dizer mal delle? Tudo quanto fazia era para bem do serviço. Nelle tudo era simples. Nada podia compromettel-o. O crystal querendo manchar-se não pode. Esta confiança era a justa recompensa de uma longa honestidade e é essa a excellencia das reputações firmes. Fizesse o que fizesse o Sr. Clubin, todos lhe viam malicia no sentido da virtude; tinha adquirido a impecabilidade; e de mais a mais dizia-se que era muito esperto; deste ou daquelle encontro que com outra pessoa seria suspeito, a sua probidade sahia sempre com um relevo de habilidade. A fama de habilidade combinava-se harmoniosamente com a fama de ingenuidade, sem contradicção alguma. Ingenuo habil é cousa que existe. É uma das variedades do homem honesto e das mais apreciadas. O Sr. Clubin era desses homens que, encontrados em conversa intima com um larapio, ou um bandido, são recebidos, comprehendidos, e mais respeitados, e têm ainda por si o piscar de olhos satisfeito da estima publica.

O Tamaulipas tinha completado o carregamento. Estava proximo a partir e ia aparelhar.

Em uma terça-feira á tarde, ainda com sol, chegou a Durande a Saint-Malo. O Sr. Clubin de pé no passadiço e dirigindo a manobra da entrada, descobriu perto de Petit Bey, na praia, entre dous rochedos, em um lugar muito solitario, dous homens conversando. Deitou-lhes o oculo e reconheceu um dos homens. Era o capitão Zuela. Parece que reconheceu tambem o outro.

O outro era alto, um pouco grizalho. Trazia o chapéo largo e o vestuario grave dos Amigos. Era provavelmente um quaker. Baixava os olhos com modestia.

Chegando á pousada João, o Sr. Clubin soube que o Tamaulipas ia aparelhar dentro de 10 dias.

Soube-se depois que elle tomara outras informações.

Á noite, entrou em casa do armeiro da rua de S. Vicente, e disse-lhe:

— Sabe o que é um revolver?

— Sei, respondeu elle, é americano.

— É uma pistolla que renova sempre a conversação.

— Na verdade, ella tem pergunta e resposta.

— E replica.

— É justo, Sr. Clubin. O cano é gyrante.

— E cinco ou seis balas.

O armeiro levantou o cantinho do beiço e fez ouvir aquelle estalo de lingua, que, acompanhado de um movimento de cabeça, exprime a admiração.

— A arma é boa, Sr. Clubin. Creia que ha de vir a ser universal.

— Eu queria um revolver de seis tiros.

— Não tenho desses.

— Pois que, o Sr. não é armeiro?

— Mas ainda não tenho disso. Bem vê que é cousa nova. Em França só se fazem pistolas.

— Diabo!

— É cousa que ainda não está no commercio.

— Diabo!

— Tenho pistolas excellentes.

— Quero um revolver.

— Convenho que é melhor. Mas, espere Sr. Clubin.

— O que é?

— Creio que ha um em Saint-Malo.

— Revolver?

— Sim.

— Para vender?

— Sim.

— Onde?

— Creio que sei. Hei de informar-me.

— Quando me dá a resposta?

— O revolver é bom.

— Quando devo voltar?

— Se eu lhe arranjo um revolver, é porque é bom.

— Quando me dá a resposta?

— Na sua primeira viagem.

— Não diga que é para mim.