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SERMÕES

— 20) Homem atrevido (diz S. Paulo), homem temerario, quem és tu, para que te ponhas a altercar com Deus ? Por ventura o barro que está na roda e entre as mãos do official, põe- se ás razões com elle, e diz-lhe porque me fazes assim ? Pois se tu és barro, homem mortal, se te formaram as mãos de Deus da materia vil da terra, como dizes ao mesmo Deus : Quare, quare : como te atreves a argumentar com a sabedoria divina, como pedes razão á sua providencia do que te faz, ou deixa de fazer? Quare obdormis? Quare faciem tuam avertis? Venera suas permissões, reverencêa e adora seus occultos juisos, encolhe os hombros com humildade a seus decretos soberanos, e farás o que te ensina a fé, e o que deves á creatura. Assim o fazemos, assim o confessamos, e assim o protestamos diante de vossa Magestade infinita, immenso Deus, imcomprehensivel bondade : Justus es, Domine, et rectum judicium tuum. (Psal . CXVIII — 137) Por mais que nós não saibamos intender vossas obras, por mais que não possamos alcançar vossos conselhos, sempre sois justo, sempre sois santo, sempre sois infinita bondade, e, ainda nos maiores rigores de vossa justiça, nunca chegaes com a severidade do castigo aonde nossas culpas merecem.

Se as razões e argumentos da nossa causa as houveramos de fundar em merecimentos proprios, temeridade fôra grande, antes impiedade manifesta, querer-vos arguir. Mas nós, Senhor, como protestava o nosso propheta Daniel : Neque enim injustificationibus nostris prosternimus preces antefaciem tuam, sed in miserationibus tuis multis. (Dan. IX — 18) Os requerimentos e razões delles, que humildemente presentamos ante vosso divino conspecto, as appellações ou embargos, que intrepomos á execução e continuação dos castigos que padecemos, de nenhum modo os fundamos na presumpção de nossa justiça, mas todos na multidão de vossas misericordias : In miserationibus tuis multis. Argumentamos, sim, mas de vós para vós : appellamos, mas de Deus para Deus — de Deus justo, para Deus misericordioso. E como do peito, Senhor, vos hão de sair todas as settas, mal poderão offender vossa bondade. Mas porque a dor quando é grande sempre arrasta o affecto, e o acerto das palavras é descredito da mesma dor, para que