Com armas alhêas ninguem póde vencer, ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a David, e mais aproveita um cajado e uma funda propria, que a espada e a lança alhêa. Prégador que peleja com as armas alhêas, não hajaes medo que derribe gigante.
Fez Christo aos apostolos pescadores de homens,[1] que foi ordenal-os de prégadores; e que faziam os apostolos? Diz o texto que estavam: Reficientes retia sua: Refazendo as redes suas, eram as redes dos apostolos, e não eram alhêas. Notae: Retia sua: não diz que eram suas porque as compraram, senão que eram suas porque as faziam, não eram suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam o seu trabalho. Desta maneira eram as redes suas, e porque desta maneira eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens. Com redes alhêas ou feitas por mão alhêa, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão disto é, porque nesta pesca de intendimentos, só quem sabe fazer a rede, sabe fazer o lanço. Como se faz uma rede? Do fio e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata, como ha de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem sabe atar, como ha de pescar homens? A rede tem chumbada que vae ao fundo, e tem cortiça que nada em cima da agua. A prégação tem umas coisas de mais pezo e de mais fundo, e tem outras mais superficiaes e mais leves, e governar o leve e o pezado, só o sabe fazer quem faz a rede. Na boca de quem não faz a prégação, até o chumbo é cortiça. As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O prégar não é recitar. As razões proprias nascem do intendimento, as alhêas vão pegadas á memoria, e os homens não se convencem pela memoria, senão pelo intendimento.
Veio o Espirito Santo sobre os apostolos, e quando as linguas desciam do céu, cuidava, eu que se lhes haviam de pôr na boca; mas ellas foram-se pôr na cabeça. Pois porque na cabeça e não na boca que é o logar da lingua? Porque o que ha de dizer o prégador, não lhe ha de sair só da boca; ha-lhe de sair pela boca,
- ↑ Faciam vos fieri piscatoris hominum. (Matth. IV — 1)