queixamos de que não façam fructo as prégações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer dizer o que ellas dizem! E então vêr cabecear o auditorio a estas coisas, quando deviamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir! Verdadeiramente não sei de que mais me espante, se dos nossos conceitos, se dos vossos applausos! Oh que bem levantou o prégador! Assim é; mas que levantou? Um falso testimunho ao texto, outro falso testimunho ao santo, outro ao intendimento e ao sentido de ambos. Então que se converta o mundo com falsos testimunhos da palavra de Deus? Se a alguem parecer demasiada a censura, oiça-me.
Estava Christo accusado diante de Caifaz, e diz o evangelista S. Mattheus, que por fim vieram duas testimunhas falsas: Novissimè venerunt duo falsi testes. (Matth. XXVI — 60) Estas testimunhas referiram que ouviram dizer a Christo, que se os judeus destruissem o templo, elle o tornaria a reedificar em tres dias. Se lêrmos o evangelista S. João, acharemos que Christo verdadeiramente tinha dito as palavras referidas. Pois se Christo tinha dito que havia de reedificar o templo dentro em tres dias, e isto mesmo é o que referiram as testimunhas, como lhes chama o Evangelista testimunhas falsas: Duo falsi testes? O mesmo S. João deu a razão: Loquebatur de templo corporis sui. (Joan. II — 21) Quando Christo disse que em tres dias reedificaria o templo, fallava o Senhor do templo mystico de seu corpo, o qual os judeus destruiram pela morte, e o Senhor o reedificou pela resurreição; e como Christo fallava do templo mystico, e as testimunhas o referiram ao templo material de Jerusalem, ainda que as palavras eram verdadeiras, as testimunhas eram falsas. Eram falsas porque Christo as dissera em um sentido, e elles as referiram em outro; e referir as palavras de Deus em differente sentido do que foram ditas, é levantar falso testimunho a Deus, é levantar falso testimunho ás escripturas. Ah, Senhor, quantos falsos testimunhos vos levantam! Quantas vezes oiço dizer dizeis o que nunca dissestes! Quantas vezes oiço dizer que são palavras vossas, o que são imaginações minhas, que me não quero excluir deste numero! Que muito logo que as nossas imagina-