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A dança do destino
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chamejante e voz terrivel, arremessando-se para o vago, o desconhecido, de murro fechado, ameaçador, gritando:

— Bandidos, bandidos! Para aqui o que me roubastes! acabou o meu e o teu. O mundo é para todos, a terra é comum, o direito é igual: nada do que existe é teu, tudo o que está debaixo do sol é nosso, é de todos, é da comunidade.

Estas palavras não lhe saiam da lembrança, atordoavam-lhe os ouvidos como um tiro de canhão.

E poz-se a comparar. Aproximou situações conhecidas, tateou-lhes as superficies, porque não sabia ainda medir as profundidades, e reconheceu que o pae de Arthur tinha dito a verdade.

O seu instinto descobriu desegualdades odiosas, injustiças que faziam estremecer.

Só adormeceu pela noite adeante.

Quando no outro dia se levantou, ouviu o pae gritar entusiasmado, na sala do jantar, muito satisfeito, de jornal na mão:

— Ora até que emfim! Já era tempo. Eu bem dizia que aquêle cachorro era má bisca!... Quando êles pregam lindas teorias, vêm com a solidariedade humana, a moral social e a justiça inflexivel, é esperar-lhes pela pancada. Quando trazem todo um arsenal campanudo de gladios flamejantes para degolar erros e preconceitos, fazer triunfar a verdade e o direito, com letras grandes, é ouvir-lhes toda essa cantiga já muito estudada e sabida e compreender logo a conveniencia de abotoar bem o casaco e pedir ao primeiro policia que se encontra que nos acompanhe.