ra ; não é possivel! Elle canta na solidão para ninguem o ouvir; elle guarda talvez os seus cantos para os legar á posteridade que lhes saberá dar o devido apreço...
Quasi sempre aos bons escriptores se lhes reservam honras e louvor para quando descançam já no tumulo!.. O orgulho não deixa muitas vezes aos contemporaneos fazer-lhes a merecida justiça!..
Mas nós, os seus amigos e admiradores, por que não nos será dado tornar a ouvil-o? Nós, que não gosaremos os seus cantos n'esse porvir, por que coévos de poeta, baixaremos em antes, ou col elle á sepultura.
E' uma noite de junho. As estrellas estão no ceu e os namorados na terra. Rita debruça-se pensativa na balaustrada da janella e as bambinellas tremem ao sopro da viração da noite. Sebastião vem ao longe cantarolando a aria valida do Trovador.
Aproxima-se, firma-se a custo nos bicos dos pés, fita os olhos em D. Rita e dirige-lhe a palavra:
— Que felicidade, estimadissima senhora!... Vel-a eu...
N'este comenos a pidicicia de D. Rita ordena-lhe que feche a janella e o pobre do ho mem fica, no meio da rua, engasgado, entalado sem poder pronunciar a syllaba restante do vocabulo. Cobrou animo e não desanimou.
— Isto costuma ser assim no principio — disse Sebastião consigo mesmo — Passados alguns dias de encarniçada batalha endoudecem, perdem a vergonha, e namoram a bandeiras despregadas... Mas não sei como tal seja! Inda eu vinha no meio da rua já me parecia que ella estava olhando para mim! Enganar-me-ia. Mas estava um luar tão claro... Parece-me impossivel...
No outro dia passou por lá. Emfrente da janella sacou do lenço branco elevou-o ás fossas nasaes; mas nesse mesmo instante houve por bem retirar-se a recatada senhora D. Rita. Isto seria um grande desappontamento para quem não andasse tão acostumad a soffrel-os.
Continua o sr. Sebastião com os seus monologos: — Nada, a mulher fugiu quando eu me assuei ao lenço branco, porque certamente não quer dar rebate á visinhança. Mas não lhe sou indifferente.... Apenas assomo ao principio da rua, fita os olhos em mim e só me deixa d'olhar, quando passo em frente da janella... Bem comprehendo.. é tudo por causa da visinhança
E o pobre do homem continuou a fazer ronda á casa de D. Rita e ella a fugir sempre que elle sacasse do lenço d'assuar. Uma noite encontrou na rua um seu amigo, que lhe dissera que o não demorasse muito com a sua conversação, porque tinha d'ir a uma soirée a casa do pae de D. Rita Ribeiro.
— Espera lá, Eduardo, sabes que sou teu amigo desde a infancia e então...
— E então que?
— E então..
— Desembucha, homem, parece que estaas com vergonha!
— Sempre assim fui...
— Dize lá, começo a impacientar-me...
— Le...vas-me com...ti...go?
— Oh! homem, para um pedido d'esses não eram precisos taes preambulos. Anda d'ahi....
— Obrigado, meu amigo, obrigado. Sabes como eu sou... Costumo pagar os favores recebidos... Sempre fui generoso...
— E eu modesto.... disse Eduardo sorrindo-se.
Entraram em casa de D. Rita. Ella estremeçeu involuntariamente ao ver o snr. Sebastião assomar ao limiar da porta, apresentado por Eduardo. Serviu-se o cha. Pouco depois Sebastião puchou uma cadeira para junto de D. Rita, que estava conversando com quatro amigas. D. Rita ao vel-o aproximar voltou-se para elas dizendo a meia voz:
— Não se esqueçam da minha recommendação. E' precisso ensinal-o....
— Quem a boa arvore se chega, boa sombra o cobre, snr. Seabra — Disse a mais espirituosa amiga de D. Rita.
— E' verdade, minha senhora. Foi por isso mesmo que ouzei aproximar-me... não sei se a despeito d'alguem...
— N'esse caso, snr. Seabra, não devia aproximar-se... porque talvez incommode alguem... — Redargui D. Rita.
— A V. Exc.a talvez?! Cuido que não... Muito poucas vezes me engano....
— Será esta, creio mesmo que seja esta uma... Se eu fui o iman que o attrahiu... enganou-se completamente....
— V. Exc.a desdisse...
— Como?! Não lhe tenho dado sobejas provas de que... lhe sou indifferente?..
— Pelo contrario...V. exc.a, que sempre crava os olhos em mim, quando passo!..