Minha primeira impressão de navegador aéreo foi assim, confesso-o, de surpresa: surpresa de ver a aeronave avançar, surpresa de sentir o vento soprar-me no rosto. Na aerostação esférica marcha-se com o vento, não o sentindo. Quando muito, nota-se o roçagar da atmosfera, nas subidas e descidas; a oscilação vertical faz flutuar a bandeira. Mas no movimento horizontal, o balão ordinário parece ficar estacionário, enquanto a terra foge sob ele.
Enquanto a aeronave fendia o ar com a sua proa, o vento fustigava-me o rosto e meu paletó flutuava como sobre o tombadilho dum transatlântico.
Por este e outros aspectos, aliás, pode-se comparar a navegação aérea a navegação fluvial á vapor. Com a navegação á vela a analogia é nenhuma. Bordejar não quer dizer nada. Se o menor vento sopra, sopra sempre numa direção dada; a analogia com a corrente de um rio é completa. Si não ha vento algum pode-se então comparar a navegação aérea á navegação sobre as águas mansas de um lago. É o que importa bem compreender.
Supondo que meu motor e meu propulsor me forneçam no ar uma impulsão de 20 milhas por hora. Estarei na situação do capitão de um vapor cujo propulsor determina, quer a favor, quer contra a corrente, uma velocidade de 20 milhas horárias. Imaginai agora que a correnteza seja de 10 milhas. Si o vapor navegar contra ela, fará 10 milhas á hora em reação á margem, posto que na água ele forneça uma velocidade de 20 milhas. Se avançar na direção da correnteza, fará 30 milhai em relação á margem, apesar de não fornecer á água velocidade superior a 20. Esta é uma das razões que tornam tão difícil a avaliação da velocidade duma aeronave.
É também o motivo por que os capitães de aeronave preferirão sempre, para seu próprio prazer, navegar em tempo calmo, e porque, encontrando uma corrente contraria, tratarão de escapar-lhe por uma subida ou descida oblíqua. Assim fazem os pássaros. O “yachtsman” sobre o seu veleiro, no mar, reclama uma boa brisa, porque nada pode sem ela; no rio, o capitão de vapor cortará sempre por perto da margem afim de evitar a correnteza, e se arranjará para descer . de preferência com a jusante do que com a montante. Nós, marinheiros de aeronaves, somos como capitães de vapor e não de “yacht” á vela.
O navegador aéreo não possui sobre o outro senão uma vantagem, que é grande: pode deixar uma corrente por outra. O ar está cheio de correntes variáveis. Subindo, encontrara ou uma brisa favorável ou uma região calma. Devo esclarecer que estas não são senão considerações práticas, nada tendo que ver com a aptidão da aeronave para lutar, em caso de necessidade, contra a brisa. Toda essa satisfação me inflou de vontade de seguir voando, tudo o que tinha a fazer era entender os erros do meu primeiro vôo de deles fazer ajustastes. Se tivesse que comete novos erros estes seriam inéditos aos acontecimentos e às simulações que projetara em minha mente.
A instabilidade que causou a dobra do invólucro foi ocasionada pelo fato de a aeronave ter perdido sustentação no segmento central do invólucro. Eu havia notado a insuficiência da bomba de ar que quase me fora fatal, e acrescentara um pequeno ventilador de alumínio para as- segurar ao balão a conservação da sua forma. Nos primeiros dias da primavera de 1899, construí uma outra aeronave, que o publico parisiense logo batizou de “Santos-Dumont N.° 2”.