Meus amigos não me perdoaram:

— Aí está a lição que você queria. Compreenda enfim que não é possível manter a rigidez do seu balão cilíndrico. E não se exponha mais aos perigos dum motor à petróleo colocado em baixo do balão.

Entretanto, eu dizia a mim mesmo:

— Que tem de comum a rigidez da forma do balão com o perigo dum motor a petróleo? O erro não foi esse. Recebi uma lição, mas não a que pretendem.

E sem delongas iniciei a construção dum “N.° 3”, que teve um balão mais curto e sensivelmente mais grosso, com 20 metros de comprimento e 7,50 de diâmetro máximo. Sua capacidade muito maior, (500 metros cúbicos), dar-lhe-ia, com o hidrogênio, três vezes a força ascensional da primeira aeronave, e duas à da segunda. Isso me facultava empregar o gás comum de iluminação, cuja força ascensional é mais ou menos a metade da do hidrogênio. O aparelho de hidrogênio do Jardim da Aclimação sempre me descontentava. Com o gás de iluminação, eu poderia partir das oficinas do meu construtor, ou de qualquer outro lugar à minha escolha. Como se vê, eu me afastava notavelmente da forma cilíndrica dos dois primeiros balões. — De hoje em diante, dizia eu, evitarei pelo menos o dobramento do invólucro. A forma mais arredondada do novo modelo oferecia-me, por outro lado, a possibilidade de dispensar o balão interno de ar e sua bomba de alimentação que, por duas vezes, havia se negado a desempenhar o seu mister no minuto crítico. Mesmo supondo que este balão, mais curto e mais grosso, tivesse necessidade de ser ajudado para guardar sua forma esférica, eu contava, para este fim com uma haste inteiriça de bambu, de 10 metros de comprimento, fixa entre as cordas de suspensão, por cima da minha cabeça, imediatamente por baixo do balão.

Se bem que não constituísse uma verdadeira quilha, esta haste sustentava a barquinha e o “guide-rope” e permitia-me manobrar com mais eficiência meus pesos deslocáveis. A 13 de novembro de 1889, a bordo do “Santos- Dumont N.° 3”, deixei o estabelecimento de Vaugirard. Foi a ascensão mais feliz que até á data realizei.”

“Dia 13 de novembro de 1889?” o dia do juízo final?” pergunta de forma irônica Soriano.

“O que quer dizer com isso?”indaga Yollanda.

“Sim”prossegue Santos “os místicos do mundo todo diziam que o mundo iria acabar nesse dia, é de fato acabou, era o fim da era que não conseguíamos manobrar nos ares e o começo de uma empolgante nova era, a era da dirigibilidade aérea, e eu estava lá, inaugurando esta nova era maravilhosa. De Vaugirard rumei diretamente para o Campo de Marte, escolhido por causa da sua grande extensão livre. Aí pude exercitar-me a meu gosto na navegação aérea, descrevendo círculos, correndo em linha reta, obrigando a aeronave a subidas e descidas diagonais, pela força do propulsor, e adquirindo assim a maestria dos meus pesos deslocáveis. Estes, colocados a maior intervalo do que primitivamente, nas extremidades da minha quilha em travessão, forneceram-me resultados que me surpreenderam. Foi a minha mais bela vitoria. Já me havia sido demonstrado que a verdade essencial da aerostação dirigível deve ser sempre: “Descer sem sacrificar o gás, subir sem sacrificar o lastro”.

No curso destas evoluções sobre o Campo de Marte, meu espírito não se deteve especialmente sobre a Torre Eiffel. Quando muito, considerei-a um monumento interessante para contornar, e contornei-a com efeito muitas vezes, a uma distancia prudente. Depois, sem pensar absolutamente no que me reservava o futuro, tomei o rumo direto do Parc des Princes, quase sobre a linha exata que dois anos mais tarde devia marcar a rota na prova do prêmio Deutsch.

Voltei ao Parc des Princes por ser este, também, um belo local aberto. Quando cheguei, porém, não tive vontade de descer. Torci o rumo então para o campo de manobras de Bagatelle, onde por fim aterrei, como lembrança da minha queda do ano precedente. Foi quase no mesmo lugar em que os meninos que empinavam papagaios haviam puxado o meu “guide-rope”, salvando-me duma queda perigosa. Hão de lembrar-se de que nesse tempo nem o Aéro Club nem eu possuíamos parque para balões, nem garage de onde partir ou para onde voltar.

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