obra de um pintor, cuja existência é ignorada por toda a gente.

O meu amigo começou por pequenas amostras da arte popular, que eu vira sempre sem prestar atenção: os macacos trepados em pipas de parati, homens de olho esbugalhado mostrando, sob o verde das parreiras, a excelência de um quinto de vinho, umas mulheres com molhos de trigo na mão apainelando interiores de padarias e talvez recordando Ceres, a fecunda. Depois iniciou a parte segunda:

– Vamos entrar agora nas composições das marinhas. Os pintores populares afirmam a sua individualidade pintando a Guanabara e a praia de Icaraí. Por essas pinturas é que se vê quanto o “ponto de vista” influi. Há o Pão de Açúcar redondo como uma bola, no Estácio; há o Pão de Açúcar do feitio de uma valise no Andaraí; e encontras o mesmo Pão, comprido e fino, em S. Cristóvão. O povo tem uma alta noção dos nossos destinos navais; a sua opinião é exatamente a mesma que a do ministro da marinha – rumo ao mar! Por isso, não há Guanabara pintada pelos cenógrafos da calçada que não tenha à entrada da barra um vaso de guerra. A parreira como o bêbado tem uma conclusão fatal: carga ao mar!

– E depois?

– Depois entramos nas grandes telas, as grandes telas que a cidade ignora.

Estávamos na Rua do Núncio. O meu excelente amigo fez-me entrar num botequim da esquina da Rua de S. Pedro e os meus olhos logo se pregaram