A CIDADE E AS SERRAS

trinta anos, dormem em catres, comem o caldo à lareira, e usam as salas para secar o milho. Creio que os únicos móveis de Tormes, se bem recordo, são um armário e uma espineta de charão, coxa, já sem teclas.

O meu pobre Príncipe suspirou, com um gesto rendido em que se abandonava ao Destino:

— Acabou!... Alea jacta est!

E como só partimos para Abril, há tempo de pintar, de assoalhar, de envidraçar... Mando daqui de Paris tapetes e camas... Um estofador de Lisboa vai depois forrar e disfarçar algum buraco... Levamos livros, uma máquina para fabricar gelo... E é mesmo uma ocasião de pôr enfim numa das minhas casas de Portugal alguma decência e ordem. Pois não achas? E então essa! Uma casa que data de 1410... Ainda existia o Império Bizantino!

Eu espalhava, com o pincel, sobre a face, flocos lentos de sabão. O meu Príncipe acendeu muito pensativamente um cigarro; e não se arredou do toucador, considerando o meu preparo com uma atenção triste que me incomodava. Por fim, como se remoesse uma sentença minha, para lhe reter bem a moral e o suco:

— Então, definitivamente, Zé Fernandes, entendes que é um dever, um absoluto dever, ir eu a Tormes?

Afastei do espelho a cara ensaboada para encarar com divertido espanto o meu Príncipe:

— Oh Jacinto! foi em ti, só em ti que nasceu a ideia desse dever! E honra te seja, menino... Não cedas a ninguém essa honra!

Ele atirou o cigarro — e, com as mãos enterradas

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