A CIDADE E AS SERRAS

pousou sobre a mesa uma travessa a trasbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!... Tentou todavia uma garfada tímida — e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:

— Óptimo!... Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!

E por esta santa gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio...

— Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!

O homem óptimo sorria, inteiramente desanuviado:

— Pois é cá a comidinha dos moços da quinta! E cada pratada, que até suas Incelências se riam... Mas agora, aqui, o Sr. D. Jacinto, também vai engordar e enrijar!

O bom caseiro sinceramente cria que, perdido nesses remotos Parises, o Senhor de Tormes, longe da fartura de Tormes, padecia fome e mingava... E o meu Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da abundância, rompendo assim, a cada travessa, em louvores mais copiosos. Diante do louro frango assado no espeto e da salada que ele apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: — «É divino!» Mas nada o entusiasmava como o vinho de Tormes, caindo de alto, da

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