A CIDADE E AS SERRAS

Eu não me espantei — mas realmente me pareceu que as pedras, o arroio, as ramagens e o vento, se riam alegremente do meu Príncipe. E além destes confortos a que o João, mestre-de-obras, com os olhos loucamente arregalados chamava «as grandezas», Jacinto meditava o bem das almas. Já encomendara ao seu arquitecto, em Paris, o plano perfeito duma escola, que ele que- ria erguer, naquele campo da Carriça, junto a capelinha que abrigava «os ossos». Pouco a pouco, aí criaria também uma biblioteca, com livros de estampas, para entreter, aos domingos, os homens a quem já não era possível ensinar a ler. Eu vergava os ombros, pensando: — «Aí vem a terrível acumulação das Noções! Eis o livro invadindo a Serra!» Mas outras ideias de Jacinto eram tocantes, — e eu mesmo me entusiasmei, e excitei o entusiasmo da tia Vicência com o seu plano duma Creche, onde ele esperava ter manhãs muito divertidas vendo as criancinhas a gatinhar, a correr trôpegamente atrás duma bola. De resto, o nosso boticário de Guiães estava já apalavrado para estabelecer uma pequena farmácia em Tormes, sob a direcção do seu praticante, um afilhado da tia Vicência, que tinha publicado um artigo sobre as festas populares do Douro no Almanaque de Lembranças. E já fora oferecido o partido médico de Tormes, com ordenado de 600$000 réis.

— Não te falta senão um Teatro! — dizia eu, rindo.

— Um teatro, não. Mas tenho a ideia duma sala, com projecções de lanterna mágica, para ensinar a esta pobre gente as cidades desse mundo, e as coisas de África, e um bocado de História.

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