A CIDADE E AS SERRAS

E também me ensoberbeci com esta inovação! — E quando a contei ao tio Adrião, o digno antiquário bateu, apesar do seu reumatismo, uma palmada tremenda na coxa. «Sim, senhor! Bela ideia! Assim se podia ensinar àquela gente iletrada, vivamente, por imagens, a História Santa, a História Romana, até a História de Portugal!...» E voltado para a prima Joaninha, o tio Adrião declarou Jacinto um «homem de coração!»

E realmente pela Serra crescia a popularidade do meu Príncipe. Naquele, «guarde-o Deus, meu senhor!» com que as mulheres ao passar o saudavam, se voltavam para o ver ainda, havia uma seriedade de oração, o bem sincero desejo de que Deus o guardasse sempre. As crianças a quem ele distribuía tostões, farejavam de longe a sua passagem, — e era em torno dele um escuro formigueiro de caritas trigueiras e sujas, com grandes olhos arregalados, que se ainda tinham pasmo, já não tinham medo. Como o cavalo de Jacinto uma tarde se chapara, ao desembocar da alameda, numas grossas pedras que aí deformavam a estrada, logo ao outro dia um bando de homens, sem que Jacinto o ordenasse, veio por dedicação ensaibrar e alisar aquele pedaço perigoso de caminho, aterrados com o risco que correra o bom senhor. Já pela serra se espalhava esse nome de «bom senhor». Os mais idosos da freguesia não o encontravam sem exclamarem, uns com gravidade, outros com grandes risos desdentados: — Este é o nosso benfeitor! Por vezes, alguma velha corria do fundo do eido, ou vinha à porta do casebre, ao avistá-lo no caminho, para gritar com grandes gestos dos braços magros: «Ai que Deus

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