Ela em breve recolheu à cozinha, aos preparativos do banquete. Nós fumámos um preguiçoso charuto no jardim, ao pé do repuxo, sob a recolhida sombra do cedro. Depois, inexoravelmente, como proprietário, mostrei ao meu Príncipe a propriedade toda, com desapiedada minuciosidade, sem lhe perdoar uma leira, um regueiro, uma árvore, um pé de vinha. Só quando a sua face começou a opar e a empalidecer, de cansaço, e que do entendimento totalmente atordoado só lhe escorria um vago — «muito bonito ! bela terra!» — é que voltei os passos para casa, tornejando ainda numa volta larga para lhe mostrar o lagar, uma plantação de espargos, e o sítio onde existira a ruína dum velho castro romano. Ao penetrarmos de novo, pelo jardim, na fresca sala, ainda o empurrei, como uma rês, para a livraria do meu bom tio Afonso, para lhe mostrar as preciosidades, uma magnífica crónica de D. João I por Fernão Lopes, a primeira edição do Imperador Clarimundo, uma Henriada, com a assinatura de Voltaire, forais de El-rei D. Manuel, e outras maravilhas. Ele respirava fechando o derradeiro pergaminho, quando eu o arrastei à adega, para que admirasse a famosa pipa, que tinha, em relevo, na madeira do tampo, as complicadas armas dos Sandes. Eram quatro horas. O meu Príncipe tinha o ar esgazeado e lívido. Cravando nele os olhos inexoráveis, olhos em que eu mesmo sentia reluzir a ferocidade, declarei «que iríamos agora ver a tulha». Mas então, com as mãos nos rins, ele murmurou, humildemente, num murmúrio de criança :