A CIDADE E AS SERRAS

— E que vinho, sr. Conde?

— Chablis, sr. Duque!

Ele sorriu à minha deliciosa pilhéria, — e eu abri, contente, a Voz de Paris. Na primeira coluna, através duma prosa muito retorcida, toda em brilhos de jóia barata, entrevi uma Princesa nua, e um Capitão de Dragões, que soluçava. Saltei a outras colunas, onde se contavam feitos de cocottes de nomes sonoros. Na outra página escritores eloquentes celebravam vinhos digestivos e tónicos. Depois eram os crimes do costume. — Não há nada de novo! Pus de parte a Voz de Paris, — e então foi, entre mim e o linguado, uma luta pavorosa. O miserável, que se frigira rancorosamente contra mim, não consentia que eu descolasse da sua espinha uma febra escassa. Todo ele se ressequira numa sola impenetrável e tostada, onde a faca vergava, impotente e trémula. Gritei pelo moço lívido, o qual, com faca mais rija, fincando no soalho os sapatos de fivela, arrancou enfim àquele malvado duas tirinhas, finas e curtas como palitos, que engoli juntas, e me esfomearam. Duma garfada findei a costeleta. E paguei quinze francos com um bom luís de ouro. No troco, que o moço me deu, com a polidez requintada duma civilização muito difundida, havia dois francos falsos. E por aquela doce tarde de Maio saí para tomar no terraço um café cor de chapéu-coco, que sabia a fava.

Com o charuto aceso contemplei o Boulevard, àquela hora em toda a pressa e estridor da sua grossa sociabilidade. A densa torrente dos ónibus, calhambeques, carroças, parelhas de luxo, rolava vivamente, como toda uma escura humanidade

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