A CIDADE E AS SERRAS

formigando entre patas e rodas, numa pressa inquieta. Aquele movimento continuado e rude bem depressa entonteceu este espirito, por cinco anos afeito à quietação das serras imutáveis. Tentava então, puerilmente, repousar nalguma forma imóvel, ónibus parado, fiacre que estacara num brusco escorregar da pileca; mas logo algum dorso apressado se encafuava pela portinhola da tipóia, ou um cacho de figuras escuras trepava sôfregamente para o ónibus : — e, rápido, recomeçava o rolar retumbante. Imóveis, decerto, estavam os altos prédios hirtos, ribas de pedra e cal, que continham, disciplinavam, aquela torrente ofegante. Mas da rua aos telhados, em cada varanda, por toda a fachada, eram tabuletas encimando tabuletas, que outras tabuletas apertavam: — e mais me cansava o perceber a tenaz incessância do trabalho latente, a devorante canseira do lucro, arquejante por trás das frontarias decorosas e mudas. Então, enquanto fumava o meu charuto, estranhamente se apossaram de mim os sentimentos que Jacinto outrora experimentara no meio da Natureza, e que tanto me divertiam. Ali, à porta do café, entre a indiferença e a pressa da Cidade, também eu senti, como ele no Campo, a vaga tristeza da minha fragilidade e da minha solidão. Bem certamente estava ali como perdido num mundo, que me não era fraternal. Quem me conhecia? Quem se interessaria por Zé Fernandes ? Se eu sentisse fome, e o confessasse, ninguém me daria metade do seu pão. Por mais aflitamente que a minha face revelasse uma angústia, ninguém na sua pressa pararia para me consolar. De que me serviriam também as excelências da

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