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isto não me valia a pena ter feito a quarentena em Marvão! Suponha, porém, você, que eu vinha achar aqui um sarau do tempo da Senhora D. Maria I, em casa dos Marialvas, com fidalgas sentadas em esteiras, frades tocando o lundum no bandolim, desembargadores pedindo mote, e os lacaios no pátio, entre os mendigos, rezando em coro a ladainha!... Aí estava uma coisa única, deliciosa, pela qual se podia fazer a viagem de Paris a Lisboa em liteira!

Um dia que jantávamos em casa de Carlos Mayer, e que Fradique lamentava, com melancólica sinceridade, o velho Portugal fidalgo e fradesco do tempo do Sr. D. João V—Ramalho Ortigão não se conteve:

—Você é um monstro, Fradique! O que você queria era habitar o confortável Paris do meado do século XIX, e ter aqui, a dois dias de viagem, o Portugal do século XVIII, onde pudesse vir, como a um museu, regalar-se de pitoresco e de arcaísmo... Você, lá na Rua de Varennes, consolado de decência e de ordem. E nós aqui , em vielas fedorentas , inundados à noite pelos despejos de águas sujas, aturdidos pelas arruaças do marquês de Cascais ou do conde de Aveiras, levados aos empurrões para a enxovia pelos malsins da Intendência, etc., etc.... Confesse que é o que você queria!

Fradique volveu, serenamente:

—Era bem mais digno e mais patriótico que em lugar de vos ver aqui, a vós, homens de letras, esticados nas gravatas e nas ideias que toda a Europa