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amplos divãs de Aubusson; alguns móveis de arte da Renascença Francesa; porcelanas raras de Delft e da China; espaço, claridade, uma harmonia de tons castos—eis o que se encontrava nas cinco salas que constituíam o «covil» de Fradique. Todas as varandas, de ferro rendilhado, datando de Luís XIV, abriam sobre um desses jardins de árvores antigas, que, naquele bairro fidalgo e eclesiástico, formam retiros de silêncio e paz silvana, onde por vezes, nas noites de Maio, se arrisca a cantar um rouxinol.

A vida de Fradique era medida por um relógio Secular, que precedia o toque lento e quase austero das horas, com uma toada argentina de antiga dança de corte: e era mantida numa imutável regularidade pelo seu criado Smith, velho escocês da clã dos Macduffs, já todo branco de pêlo e ainda todo rosado de pele, que havia trinta anos o acompanhava, com severo zelo, através da vida e do mundo.

De manhã, às nove horas, mal se espalhavam no ar os compassos gentis e melancólicos daquele esquecido minuete de Cimarosa ou de Haydn, Smith rompia pelo quarto de Fradique, abria todas as janelas à luz, gritava:—Morning, Sir! Imediatamente Fradique, dando de entre a roupa um salto brusco que considerava «de higiene transcendente», corria ao imenso laboratório de mármore, a esponjar a face e a cabeça em água fria, com um resfolgar de Tritão ditoso. Depois, enfiando uma das cabaias de seda que tanto