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sobretudo quando necessitadas, inspiravam-lhe um enternecimento infinito; e era destes, singularmente raros, que encontrando, num agreste dia de Inverno, um pequenino que pede, transido de frio—param sob a chuva e sob o vento, desapertam pacientemente o paletó, descalçam pacientemente a luva, para vasculhar no fundo da algibeira, à procura da moeda de prata que vai ser o calor e o pão de um dia.

Esta caridade estendia-se budistamente a tudo que vive. Não conheci homem mais respeitador do animal e dos seus direitos. Uma ocasião em Paris, correndo ambos a uma estação de fiacres, para nos salvarmos dum chuveiro que desabava, e seguir, na pressa que nos levava, a uma venda de tapeçarias (onde Fradique cobiçava umas Nove Musas Dançando Entre Loureirais), encontramos apenas um cupé, cuja pileca, com o saco pendente do focinho, comia melancolicamente a sua ração. Fradique teimou em esperar que o cavalo almoçasse com sossego—e perdeu as Nove Musas.

Nos últimos tempos, preocupava-o sobretudo a miséria das classes—por sentir que nestas Democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornam mais secas e menos capazes de piedade. «A fraternidade (dizia ele numa carta de 1886, que conservo), vai-se sumindo, principalmente nestas vastas colmeias de cal e pedra, onde os homens teimam