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em se amontoar e lutar; e, através do constante deperecimento dos costumes e das simplicidades rurais, o mundo vai rolando a um egoísmo feroz. A primeira evidência deste egoísmo, é o desenvolvimento ruidoso da filantropia. Desde que a caridade se organiza e se consolida em instituição, com regulamentos, relatórios, comitês, sessões, um presidente e uma campainha, e de sentimento natural passa a função oficial—é porque o homem, não contando já com os impulsos do seu coração, necessita obrigar-se publicamente ao bem pelas prescrições dum estatuto. Com os corações assim duros e os invernos tão longos, que vai ser dos pobres?...»

Quantas vezes, diante de mim, nos crepúsculos de Novembro, na sua biblioteca apenas alumiada pela chama incerta e doce da lenha no fogão, Fradique emergiu dum silêncio em que os olhares se lhe perdiam ao longe, como afundados em horizontes de tristeza—para assim lamentar, com enternecida elevação, todas as misérias humanas! E voltava então a amarga afirmação da crescente aspereza dos homens, forçados pela violência do conflito e da concorrência a um egoísmo rude, em que cada um se torna cada vez mais o lobo do seu semelhante, homo homini lupus.

—Era necessário que viesse outro Cristo!— murmurei eu um dia.

Fradique encolheu os ombros:

—Há de vir; há de talvez libertar os escravos; há de ter por isso a sua igreja e a sua liturgia; e depois há