bordados duma só túnica, nem os relevos dum só vaso nos serão perdoados! E é isto um amigo íntimo!»
Ramalho Ortigão, ao contrário, inclina a crer que os papéis de Fradique contêm Memórias— porque só a Memórias se pode coerentemente impor a condição de permanecerem secretas.
Eu por mim, dum melhor e mais contínuo conhecimento de Fradique, concluo que ele não deixou um livro de Psicologia, nem uma Epopeia arqueológica (que certamente pareceria a Fradique uma culpada e vã ostentação de saber pitoresco e fácil), nem Memórias—inexplicáveis num homem todo de ideia e de abstração, que escondia a sua vida com tão altivo recato. E afirmo afoitamente que nesse cofre de ferro, perdido num velho solar russo, não existe uma obra— porque Fradique nunca foi verdadeiramente um autor.
Para o ser não lhe faltaram decerto as ideias —mas faltou-lhe a certeza de que elas, pelo seu valor definitivo, merecessem ser registadas e perpetuadas: e faltou-lhe ainda a arte paciente, ou o querer forte, para produzir aquela forma que ele concebera em abstrato como a única digna por belezas especiais e ares, de encarnar as suas ideias. Desconfiança de si como pensador cujas conclusões, renovando a filosofia e a ciência, pudessem imprimir ao espírito humano um movimento inesperado; desconfiança de si como escritor e criador duma Prosa, que só por