e, que vive há três anos construindo um Sistema de Filosofia no terceiro andar duma casa de hóspedes, na Travessa da Palha. Espírito livre, empreendedor e destro, paladino das Ideias Gerais, o meu parente, que se chama Procópio, considerando que a mulher não vale o tormento que espalha, e que os oitocentos mil-réis de um olival bastam, e de sobra, a um espiritualista— votou a sua vida à Lógica e só se interessa e sofre pela Verdade. É um filósofo alegre; conversa sem berrar; tem uma aguardente de moscatel excelente,—e eu trepo com gosto duas ou três vezes por semana a sua oficina de Metafísica a saber se, conduzido pela alma doce de Maine de Biran, que é o seu cicerone nas viagens do Infinito, ele já entreviu enfim, disfarçada por trás dos seus derradeiros véus, a Causa das Causas. Nestas piedosas visitas vou, pouco a pouco, conhecendo alguns dos hóspedes que nesse terceiro andar da Travessa da Palha gozam uma boa vida de cidade, a doze tostões por dia, fora vinho e roupa lavada. Quase todas as profissões, em que se ocupa a classe média em Portugal, estão aqui representadas com fidelidade, e eu posso assim estudar, sem esforço, como num índice, as ideias e os sentimentos que no nosso Ano da Graça formam o fundo moral da Nação.
Esta casa de hóspedes oferece encantos. O quarto do meu primo Procópio tem uma esteira nova, um leito de ferro filosófico e virginal, cassa vistosa nas janelas, rosinhas e aves pela parede, —e é mantido