de fartura, de opulência rural, de bens terrenos que não enganam. E a sala melhor, traçada para as ocupações mais gratas, é o refeitório, com as suas varandas rasgadas, onde os regalados monges pudessem, ao fim do jantar, conforme a venerável tradição dos Crúzios, beber o seu café aos goles, galhofando, arrotando, respirando a fresquidão, ou seguindo nas faias do pátio o cantar alto de um melro.
De sorte que não houve necessidade de alterar esta vivenda, quando de religiosa passou a secular. Estava já sabiamente preparada para a profanidade;—e a vida que nela então se começou a viver, não foi diferente da do velho convento, apenas mais bela, porque, livre das contradições do Espiritual e do Temporal, a sua harmonia se tornou perfeita. E, tal como é, desliza com incomparável doçura. De madrugada os galos cantam, a quinta acorda, os cães de fila são acorrentados, a moça vai mungir as vacas, o pegureiro atira o seu cajado ao ombro, a fila dos jornaleiros mete-se às terras—e o trabalho principia, esse trabalho que em Portugal parece a mais segura das alegrias e a festa sempre incansável, porque é todo feito a cantar As vozes vêm, altas e desgarradas, no fino silêncio, de além, dentre os trigos, ou do campo em sacha, onde alvejam as camisas de linho cru, e os lenços de longas franjas vermelhejam mais que papoulas. E não há neste labor nem dureza nem arranque. Todo ele é feito com a mansidão com que o pão amadurece ao sol. O arado mais acaricia