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sua primeira educação fora singularmente emaranhada: o capelão de D. Angelina, antigo frade beneditino, ensinou-lhe o latim, a doutrina, o horror à maçonaria, e outros princípios sólidos; depois um coronel francês, duro jacobino que se batera em 1830 na barricada de St.-Merry, veio abalar estes alicerces espirituais, fazendo traduzir ao rapaz a Pucelle de Voltaire e a Declaração dos Direitos do Homem; e finalmente um alemão, que ajudava D. Angelina a enfardelar Klopstock na vernaculidade de Filinto Elísio, e se dizia parente de Emanuel Kant, completou a confusão iniciando Carlos, ainda antes de lhe nascer o buço, na Crítica da Razão Pura e na heterodoxia metafísica dos professores de Tubinga. Felizmente Carlos já então gastava longos dias a cavalo pelos campos, com a sua matilha de galgos: — e da anemia que lhe teriam causado as abstrações do raciocínio, salvou-o o sopro fresco dos montados e a natural pureza dos regatos em que bebia.

A avó, tendo imparcialmente aprovado estas embrulhadas linhas de educação, decidiu de repente, quando Carlos completou dezasseis anos, mandá-lo para Coimbra, que ela considerava um nobre centro de estudos clássicos e o derradeiro refúgio das Humanidades. Corria porém na Ilha que a tradutora de Klopstock, apesar dos sessenta anos que lhe revestiam a face dum pêlo mais denso que a hera duma ruína, decidira afastar o neto —para casar com o boleeiro.