Era o seu viço que deslumbrava. A vida de tão várias e trabalhosas atividades, não lhe cavara uma prega de fadiga. Parecia ter emergido, havia momentos, assim de quinzena preta e barbeado, do fundo vivo da Natureza. E apesar de Vidigal me ter contado que Fradique festejara os «trinta e três» em Sintra, pela festa de S. Pedro, eu sentia naquele corpo a robustez tenra e ágil de um efebo, na infância do mundo grego. Só quando sorria ou quando olhava se surpreendiam imediatamente nele vinte séculos de literatura.
Depois de ler a carta, Fradique Mendes abriu os braços, num gesto desolado e risonho, implorando a misericórdia de Vidigal. Tratava-se, como sempre, da Alfândega, fonte perene das suas amarguras! Agora tinha lá encalhado um caixote, contendo uma múmia egípcia...
— Uma múmia?...
Sim, perfeitamente, uma múmia histórica, o corpo verídico e venerável de Pentaour, escriba ritual do templo de Amnon em Tebas, o cronista de Ramsés II. Mandara-o vir de Paris para dar a uma senhora da Legação de Inglaterra, Lady Ross, sua amiga de Atenas, que em plena frescura e plena ventura, colecionava antiguidades funerárias do Egito e da Assíria... Mas, apesar de esforços sagazes, não conseguia arrancar o defunto letrado dos armazéns da Alfândega que ele enchera de confusão e de horror. Logo na primeira tarde, quando Pentaour desembarcara,