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profusão, com que se prodigalizam as tigelinhas (quando as paga o Paxá), torna as velhas cidades meio arruinadas, que assim se enfeitam em louvor de Alá, realmente deslumbrantes—sobretudo para um ocidental besuntado de literatura, e inclinado a ver por toda a parte, reproduzidas no moderno Oriente, as muito lidas maravilhas dessas Mil e Uma Noites que ninguém jamais leu.

Na celebração do Beiram (custeada pelo Quediva), as tigelinhas eram incontáveis—e todas as linhas do Cairo, as mais quebradas e as mais fugidias, ressaltavam na escuridão, esplendidamente sublinhadas por um risco de luz. Longas fieiras de pontos refulgentes, marcavam a borda dos eirados; as portas abriam-se sob ferraduras de lumes; dos toldos pendia uma franja que faiscava; um brilho tremia, com a aragem, sobre cada folha de árvore; e os minaretes, que a Poesia Oriental classicamente compara desde séculos aos braços da Terra, levantados para o Céu, ostentavam como braços em noite de festa, um luxo de braceletes fulgindo na treva serena. Era (lembrei eu a Fradique), como se durante todo o dia tivesse caído sobre a sórdida cidade uma grossa poeirada de ouro, pousando em cada friso de muxarabi e em cada grade de varandim, e agora rebrilhasse, com radiosa saliência, na negrura da noite calma.

Mas, para mim, a beleza especial e nova estava na multidão festiva que atulhava as praças e os bazares—e que Fradique, através do rumor e da poeira,