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Tanto quanto pude discernir, a suprema qualidade intelectual de Fradique pareceu-me sempre ser—uma percepção extraordinária da Realidade. «Todo o fenômeno (diz ele numa carta a Antero de Quental, sugestiva através de certa obscuridade que a envolve) tem uma Realidade. A expressão de Realidade não é filosófica; mas eu emprego-a, lanço-a ao acaso e tenteando, para apanhar dentro dela o mais possível dum conceito pouco coercível, quase irredutível ao verbo. Todo o fenômeno, pois, tem, relativamente ao nosso entendimento e à sua potência de discriminar, uma Realidade—quero dizer certos caracteres, ou (para me exprimir por uma imagem, como recomenda Buffon) certos contornos que o limitam, o definem, lhe dão feição própria no esparso e universal conjunto, e constituem o seu exato, real e único modo de ser. Somente o erro, a ignorância, os preconceitos, a tradição, a rotina e sobretudo a ILUSÃO, formam em torno de cada fenômeno uma névoa que esbate e deforma os seus contornos, e impede que a visão intelectual o divise no seu exato, real e único modo de ser. É justamente o que sucede aos monumentos de Londres, mergulhados no nevoeiro... Tudo isto vai expresso dum modo bem hesitante e incompleto! Lá fora o sol está caindo dum céu fino e nítido, sobre o meu quintal de convento coberto de neve dura: neste ar tão puro e claro, em que as coisas tomam um relevo rígido,