A ESCRAVA ISAURA
45

esquecera de lhe formar o pescoço, e a cabeça disforme nascia-lhe de dentro de uma formidavel corcova, que a resguardava quasi como um capuz. Bem reparado todavia o rosto não era muito irregular, nem repugnante, e exprimia muita cordura, submissão e bonhomia.

Isaura teria soltado um grito de pavor, se ha muito não estivesse familiarizada com aquella estranha figura, pois era elle, sem mais nem menos, o senhor Belchior, fiel e excellente ilhéo, que ha muitos annos exercia naquella fazenda mui digna e conscienciosamente, apezar de sua deformidade e idiotismo, o cargo de jardineiro. Parece que as flores, que são o symbolo natural de tudo quanto é bello, puro e delicado, devião ter um cultor menos disforme e repulsivo. Mas quiz a sorte ou o capricho do dono da casa estabelecer aquelle contraste, talvez para fazer sobresahir a belleza de umas á custa da fealdade do outro.

Belchior tinha em uma das mãos o vasto chapéo de palha, que arrastava pelo chão, e com a outra empunhava, não um ramalhete, mas um enorme feixe de flores de todas as qualidades, á sombra das quaes procurava eclipsar sua disgraciosa e extravagante figura. Parecia um desses vasos de louça, de formas phantasticas e grotescas, que se enchem de flores para enfeitar bufetes e aparadores.