— Monte, que mando eu! Vocemecê é um lavrador de enxada, eu sou um Doutor formado em Coimbra, sou eu que sei, sou eu que mando!
E o Sôlha, logo submisso ante aquella força deslumbrante do Saber superior, agarrou em silencio a crina da egua, enfiou respeitosamente o estribo, ajudado pelo Fidalgo, que, sem tirar as luvas brancas, lhe amparava o pé entrapado e manchado de sangue.
Depois, quando elle repousou no sellim com um ah!consolado:
— Então que tal?
O homem só murmurava o nome de Nosso Senhor, na gratidão e no assombro d’aquella caridade:
— Mas isto é a volta do mundo... Eu aqui, na egua do Fidalgo! E o Fidalgo, o Sr. Gonçalo Ramires, da Torre, a pé pela estrada!
Gonçalo gracejou. E, para entreter a caminhada, perguntou pela quinta do Dr. Julio, que agora se arrojára a obras e plantações de vinha. Depois, como o Manoel Sôlha conhecia o Pereira Brasileiro (que pensára em arrendar as terras do Dr. Julio), conversaram sobre esse esperto homem, sobre as grandezas da Cortiga. Já sem embaraço, direito no sellim, no gosto d’aquella intimidade com o Fidalgo da Torre, o Sôlha esquecia a chaga, a dôr que adormentára. E á estribeira do Sôlha, attento e sorrindo, o Fidalgo estugava o passo na poeira branca.