A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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como outr’ora o outro, o grande, em Roma, tentava levar a seducção ao seio das familias melhores, e commettia esses abusos de poder, motivados por lascivias de temperamento, que foram sempre, em todos os seculos e todas as civilisações, a execração do justo!» — E assignava Juvenal.

Eram quasi seis horas quando desceu á sala, ligeiro e resplandecente. Gracinha martellava o piano, estudando o Fado dos Ramires. E Barrôlo (que não se arriscára a um passeio solitario) folheava, estendido no camapé, uma famosa Historia dos Crimes da Inquiziçãoque começára ainda em solteiro.

— Estou a trabalhar desde as duas horas! exclamou logo Gonçalo, escancarando a janella. Fiquei derreado. Mas, louvado seja Deus, fiz obra de Justiça... D’esta vez o Snr. André Cavalleiro vae abaixo do seu cavallo!

Barrôlo fechou immediatamente o livro, com o cotovello nas almofadas, inquieto:

— Houve alguma coisa?

E Gonçalo, plantado deante d’elle, com um risinho suave, um risinho feroz, remexendo na algibeira o dinheiro e as chaves:

— Oh! quasi nada. Uma bagatella. Apenas uma infamia... Mas para o nosso Governador Civil infamias são bagatellas.

Sob os dedos de Gracinha o Fado dos Ramiresesmoreceu, apenas roçado, n’um murmurio incerto.