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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

de Lugilde com quem, pela fogueira de S. João, folgára tão docemente e bailára no castello de Unhello, — e vergado sobre a alta sella rezou, pela pobre alma sem confissão, uma devota Ave-Maria. Fuscas, tristonhas nuvens, abafavam a manhã d’Agosto. E afastados á entrada do valle, sob a ramagem d’um velho azinheiro, Tructesindo, D. Pedro de Castro, e Garcia Viegas, o Sabedor, decidiam que morte lenta, e bem dorida e viltosa, se daria ao Bastardo, villão de tão negra vilta.

Contando assim a sombria emboscada com o gemente esforço de quem empurra um arado por terra pedreira — gastára Gonçalo essa doce semana de Setembro. E no sabbado, cedo, na livraria, com os cabellos ainda molhados do banho de chuva, esfregava as mãos deante da banca — porque certamente com duas horas de attento trabalho, findaria antes d’almoço a sua Novella, a sua Obra! E todavia esse final, quasi o repellia, com o seu sujo horror. O tio Duarte no seu Poemeto apenas o esboçára, com esquiva indecisão, como nobre Lyrico que ante uma visão de bruta ferocidade solta um lamento, resguarda a Lyra, e desvia para sendas mais doces. E, ao tomar a penna, Gonçalo tambem, realmente lamentava que seu avô Tructesindo não matasse outr’ora o Bastardo, no fragor da briga, com uma d’essas