ERA fructo ultimo do terceiro matrimonio do rei Venturoso com a joven D. Leonor d’Austria, irman mais velha do Imperador Carlos V.[1] Meio anno depois do nascimento da Infanta D. Maria (a 8 de Junno de 1521) o monarca fallecia, [2] deixando ambas, mãe e filha, numa situação melindrosa e anormal, embora legalmente constituida.
D. Leonor fôra promettida primeiramente ao principe D. João (III), quando ninguém podia prever o fim da boa e prolífica rainha D. Maria, e menos ainda a pressa com que o desolado viuvo quasi quinquagenario, convolaria a terceiras núpcias, por conselho de poucos, quasi a furto, e exactamente com a noiva do seu primogénito e herdeiro. Es este el bovo? havia perguntado, [3] ao entrar em Portugal, fitando surprehendida e com curiosidade o enteado, rapaz viçoso de dezasete annos, dando assim a conhecer os meios illicitos e manhosos que os enviados de D. Manoel haviam empregado, para a fazer mudar de proposito, a ella e seu irmão. [4] Era todavia voz publica que d'esses planos contrariados havia surgido uma verdadeira e violenta afeição que não se extinguira, mas antes medrára no curto prazo de tres annos de consorcio com D. Manoel. Depois do advento ao throno do successor, um partido numeroso de cortesãos e populares, julgando comprazer-lhe, advogava o consorcio dos dois namorados, emquanto outros o impugnavam, acreditando na opposição da curia contra o casamento do enteado com a madrasta. Boatos calumniosos corriam. O Imperador para evitar escandalos, cortou o nó, decidindo que D. Leonor regressasse sem delongas. [5]
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- ↑ D. Leonor nascera em 1498.
- ↑ E' erro muito repetido chamar filha posthuma á Infanta D. Maria, erro que como tantos outros provém da inaudita leviandade do aliás benemerito auctor do Epitome de Historia Portuguesa. — Vide Rimas de Camões, ed. Faria e Sousa, vol. I p. 164.
- ↑ O quadro da Misericordia de Lisboa, representativo do casamento de D. Leonor com D. Manoel, a que já me referi, acha-se reproduzido na Arte Portuguesa (p. 110), acompanhado de um artigo de Gabriel Pereira
- ↑ Frei Luiz de Sousa, Annaes, Parte I. cap. 4.
- ↑ Nas paginas do Conde de Villa Franca a caracterisação dos monarcas é incompleta e injusta.