A Infantinha havia de acompanhá-la, pois no contracto, como em previsão do caso, fora estipulado que D. Leonor podesse, enviuvando, sahir do reino, com seus filhos e creados, sem precisar de licença especial do soberano português. Si Dios ordenase que el dicho señor Rei de Portugal fallezca d'esta vida presente primero que la dicha Señora Infanta, que ella, sus hijos y creados se puedan partir de los dichos reinos y señorios de Portugal, queriendo-lo fazer, y se puedan venir a Castella o a otra parte, para donde les pluguiere, sin le ser puesto embargo en ella ni a los que con ella vinieren... sin ser obligado de aver licencia del Rey de Portugal, que en aquel tiempo fuere. [1]
A despeito d'esta clausula D. João III oppos-se, não á partida de D. Leonor, mas á da filha, a qual o clamor da capital, excitada por tres annos de intrigas e calumnias, reclamava, perguntando com vivo rigor: onde mandaes a nossa infanta, nascida como em nossos braços, filha legitima do nosso natural rey, successora e herdeira em seu grau, nossa paz presente, alliança futura, riqueza certa? [2] Riqueza certa. E o soberano não achava prudente, nem sabia como restituir no curto prazo legal de quatro annos as avultadissimas quantias a que a Infanta tinha direito.
Se D. Leonor podesse então prever o destino ulterior da filha, a sua vida entrecortada de desgostos, as tristes especulações, de que foi alvo por causa dos calculos e manejos profundamente egoistas do rei, seu irmão; se podesse prevêr com que facilidade Carlos V havia de sacrificar affeições pessoaes aos seu planos politicos; se adivinhasse, insistia com certeza com mais energia no cumprimento do contracto, reclamando os seus direitos! Partiu, porém (Maio de 1523), sem a filha, que não tornou mais a ver, senão trinta e cinco annos depois, poucos dias antes de morrer (1558)!
Não vou devanear sobre o que aconteceria e qual teria sido a sorte da Infanta, uma vez passadas as fronteiras de Portugal. Assim, permaneceu orfan, com dois annos apenas, em poder del-Rei seu irmão entre tres malicias coronadas e desencontradas, que cubiçavam os seus bens. Sob a direcção immediata da Rainha D. Catharina, foi creada por D. Joanna de Blasfeldt, sua aia e depois camareira-mór, que viera de Castella com a rainha D. Leonor, com os desvelos que competiam á sua elevada gerarchia, cercada de fausto e com o apparato de uma grande côrte. Mas é impossivel affirmar que os tutores a trataram com carinho e amizade fraternal. Antes, ha razões de sobejo para crer que D. João III, embora simulasse attender sempre com muito respeito as opiniões da rainha de França,<ref>Veja-se o Panegyrico de D. João, pelo mesmo João de Barros a quem devemos o Panegyrico de D. Maria (p. 150).</rev> sympathisava pouco com a meia-irman, fructo de um matrimonio de que sempre se dera por offendido.
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