outros textos sacros. Assim o havia declarado, em vida da Infanta, a voz apparentemente auctorisada de um varão esclarecido, o veridico auctor das Decadas. [1]
Quem terá razão? Não a dou a João de Barros, que sempre foi fraco erasmista, mesmo no tratado da Mercadoria Espiritual [2], porque depois de 1550 o douto escritor fez-se portavoz da orthodoxa reacção tridentina. [3] Na propria peça rhetorica a que alludo — um extenso Panegyrico das qualidades da Infanta [4] — vemos desmentida a tendenciosa insinuação: tão variado é o saber que presuppõe; tantas são as allusões mythologicas, historicas e lingüisticas, tantas as hyperboles com que a festeja. Identificando a era da Infanta com a idade aurea, e as suas damas e donzellas com a nova geração dos Übermenschen (Sobre-homens ou Supra-homens), prophetizada pela sibylla, adianta-se mesmo até applicar-lhe os versos de Vergilio: [5]
jam redit et virgo; redeunt saturnia regna;
jam nova progenies coelo dimittitur alto.[6]
Não é, porém, nestes exageros que devemos fiar-nos, mas sim na consentaneidade de outros coevos mais sabios e menos rigoristas, que gabaram com insistencia o caracter, o bom-senso, os solidos conhecimentos da Infanta. Já ouvimos as informações do embaixador castelhano D. Sancho de Cordova ao soberano. [7] Este recorria continuamente ao seu preclaro juizo e á sua illustração. Vive em intimo convivio com as Musas — cum Musis rationem studiorum habet conjunctissimam — escrevia em 1546 sua preceptora particular, Luisa Sigea, fallando d'ella ao Papa Paulo III. Em outra occasião, a mesma designa-a como primaz em humanidades, erudição e virtudes. [8] Com haver-se inclinado ás letras, as honra Vossa Alteza e a todos os seus professores, lhe dizia um ancião veneravel, o austero Navarro, Martim de Azpilcueta. [9] Realmente distincta pelo engenho e força de espirito a proclamava Jeronymo Osorio, o grande Bispo de Silves: ingenio et animi magnitudine excelluit. [10] Como eruditissima foi apostrophada repetidas vezes por André de Resende e Ignacio de Moraes. « De tal modo te dedicaste ao estudo que não só de passagem e pela rama, como é praxe entre damas, mas a
fundo e de coração te entregaste ao convivio das Musas », [11] assim lhe fallava outro humanista notavel, da amizade de Cortereal, ao dedicar-lhe as obras de um sabio. [12] Entre as eruditas do nosso tempo occupa logar honroso: é Vaseu, auctor da Chronica Hispanica quem o assenta e divulga urbi et orbi. [13] Unica pela prudencia
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- ↑ 95 Vejam o § 19 e 24 do Panegyrico cujas edições enunerei na Nota 10.
- ↑ 96 A' vista do documento, pelo qual o monarca concedeu à Infanta o senhorio de Viseu (e o titulo de duqueza?), deve ser facil apurar a data do Panegyrico, pois foi em celebração d'este acontecimento que João de Barros levantou a voz, conforme já indiquei na Nota 10. No admiravel Catalogo Chronologico de todos os Titulos que tem havido em Portugal até à occupação dos Filippes, o qual forma um avultado Appendice do Livro Segundo dos Brasões da Sala de Cintra de Anselmo Braamcamp Freire (Lisboa 1901) não encontro verba alguma relativa a esta nomeação.
- ↑ 97 A Ropica pneuma, um Colloquio erudito entre o Tempo e o Intendimento, a Vontade e a Razão, escripto em 1531, nada contém contra o dogma, embora fosse prohibido nos Indices.
- ↑ 98 Segundo elle, D. João III foi um maravilhoso reformador da religião christan! Panegyrico §18. Cf. § 26 e 33.
- ↑ 99 e 100 Ecloga IV, 6.
- ↑ 99 e 100 Ecloga IV, 6.
- ↑ 101 O leitor acha-as a p. 23 d'este estudo.
- ↑ 102 In humanitatis et eruditionis nec non virtutum antistitem.
- ↑ 103 Pacheco f. 132. Não consegui ver o original latino, impresso em Coimbra, no anno 1550. E' uma carta-prologo que acompanha o tratado do Jubileu: Commentarium De Anno Jubilaco et Indulgentiis omnibus.
- ↑ 104 De Rebus Emanuelis. P. IV, Livro XII.
- ↑ 105 Te totam summis labiis ita musis tradidisti ut eas non transeunter aut carptim ut pleræque solent libaveris sed eas ipsas penitus imbiberis.
- ↑ 106 Antonio de Castro, no Prologo que acompanha a edição das Obras Latinas de Cataldo Siculo, por elle promovida. Vid. Hist. Gen., Provas VI, 391.
- ↑ 107 Hispania Chronica, cap. IX, em Schott, Hispania Illustrata, vol. I.