Soaram nos vidros da janella pancadas repetidas e chamou-o de fóra uma voz bem conhecida d’elle.
Era a do mestre de latim, o sr. Bento Pertunhas.
— Sr. Augusto, ó meu querido sr. Augusto. Amice! Pode falar a um amigo e colega? — dizia elle.
Augusto foi abrir-lhe a porta, não reprimindo um gesto de enfado.
O latinista entrou esfregando as mãos.
— A ler, hein! sempre a ler! sempre amarrado aos livros! — dizia elle, batendo no hombro a Augusto. — Invejo-lhe mais a pachorra do que o proveito. Olhe que não medra com isso; nem ninguem lhe agradece as canceiras que toma. Meu rico, por dois dias que um homem passa cá n’este mundo, tolo é o que se mata. E então n’este paiz!... Faça como eu.
E, imitando com a bôca os sons da trompa, seu instrumento predilecto, poz-se a examinar os livros que via sobre a mesa.
— Então que estava lendo? que estava lendo?... Poh! poh! poh!... Versos... Ora que nunca pude gostar de versos!... Poh! poh!... E não é agora porque se diga que não tinha quéda; não, senhores; em tempos fiz até algumas quadras... Poh! poh!... já se sabe, até certa idade, mas nunca fui muito para ahi... Poh!... A minha vocação é para a musica... Poh! poh!... Lá para a musica, sim... Poh! poh! poh!... Herman e Dorothéa — continuava elle, examinando os livros. — Novellas... Poh!... E isto que é? Confessions de Rousseau — n’este nome deixou aos diphtongos o valor portuguez — Poh! poh! As Metamorphoses... Latim! Oh que massada! Poh! poh! poh! poh!... — E o Ovidio, que lhe chegára ás mãos, foi arremessado como se estivesse em braza.
Augusto não pôde conservar-se sério, ante o instinctivo movimento de repulsão do mestre.