162

— Ai, primo Henrique; que ainda está muito pouco preparado para viver na aldeia! — disse a morgadinha. — Tem uns melindres e uma maneira de vêr as coisas! Tudo lhe parecem faltas de attenções, propositos de offender! depois ha um sarcasmo cruel nas suas palavras, a que os espiritos não estão aqui habituados e de que se sentem[1] por isso feridos. Isso não é bom! Se vae assim, ou terá de nos deixar cêdo, ou grandes desavenças suscitará por ahi. Não repara que estes modos são proprios do campo?

— Perdôe-me, prima Magdalena; mas confesso que nunca tive demasiado geito para lidar com doidos. Deve confessar que este homem...

— É um homem de bem — atalhou Augusto com voz firme e com uma severidade de expressão, que até alli não mostrára ainda.

Henrique voltou-se admirado e fitou-o em silencio. Augusto arrostou firmemente aquelle olhar.

— Não o nego — respondeu Henrique, pouco depois — mas infelizmente os homens de bem envelhecem, como os outros, e a extrema velhice traz a imbecilidade.

— Engana-se; esse homem, apesar de algumas phantasias, tem ainda um juizo são e uma razão clara.

— Acha? — tornou Henrique, já algum tanto azedado. — Ha de dar-me licença de não fazer obra por as suas apreciações... se me é permittido.

— Procede mal — redarguiu Augusto. — Porque eu conheço aquelle homem ha muito e o senhor acaba apenas de o vêr pela primeira vez. Foi o senhor quem primeiro deu ás suas palavras um tom irritante, que desafiou uma digna correcção. Não lhe ficaria mal se tivesse sido mais generoso. A consciencia lh’o está dizendo n’este momento melhor do que eu.

— Lê fundo nas consciencias dos outros!

— Não é difficil. Em todos os homens a consciencia

  1. "se se sentem" no original, erro tipográfico.