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tem uma só maneira de ser. Reprova sempre o mal, aponta sempre a culpa.

— Estou admirando a subita loquacidade que se lhe manifestou! Até aqui suppunha-o taciturno. Vejo que lhe mereço a fineza de abrir uma excepção aos seus habitos de laconismo em meu favor. Muito agradecido. Isso que dizia eram maximas ou pensamentos moraes? Não reparei.

Augusto córou, mas respondeu com firmeza:

— Nem uma nem outra coisa; é um genero muito mais modesto do que qualquer dos dois. Simplesmente um preceito de civilidade.

Henrique ia responder irritado, mas conteve-se e tornou com dobrada ironia:

— É verdade, é verdade... esquecia-me que a civilidade entra no seu programma... de mestre-escola.

— Justamente; tenho alguns discipulos que lisonjeiam o mestre; rapazinhos da aldeia, pobres, rotos e descalços, mas n’esse ponto podem dar lições a elegantes filhos das cidades.

— Pois estimarei, nas minhas longas horas de ocio, aqui na aldeia, dever-lhe algumas lições tambem. Comtudo, como, felizmente, as circumstancias em que estou me permittem prescindir do beneficio do estado, que o subsidia, ha de conceder-me que pague as lições que receber.

— Nunca me envergonhei de acceitar a recompensa do meu trabalho, se o discipulo pode dar-m’a... sem sacrificio.

— E acceita-a em toda a especie de moeda, não é verdade? — perguntou Henrique, cada vez mais petulantemente.

Augusto respondeu com a mesma serenidade:

— Não faço tambem escrupulo n’isso, comtanto que me fique o direito salvo de pagar na mesma especie de trócos, quando julgar que os devo.

O dialogo ia, como vamos vendo, de momento para momento adquirindo mais acerbo caracter.