196

somno, tem aquelle costume de dizer ás criadas que a encommendem ao anjo da guarda d’ellas. Mas vamos.

— Espera... e... e o Cancella trouxe-vos aquellas encommendas?

— Trouxe.

— É verdade; e a filha d’elle? A Lindita?

— Já cá me ia tardando a pergunta — notou a morgadinha, rindo. — Essa anda contente, como quem nada tem a penalisal-a; nem saudades.

— Ora vamos, Lena; não te perdôo a malicia.

— Então devéras esse coração está assim tomado?

— Não te informo do meu coração, que o não levo commigo, quando d’aqui vou. Cá me fica; e uma grande parte d’elle no teu poder. Eu sou que pergunto; em que estado m’o entregas?

— Muito doente.

— Sim? E o teu?

— O meu? Ah! nem eu sei d’elle. Olha; isto decorações são como as creanças. As travêssas tantos cuidados dão ás mães, que a todos os instantes querem saber o que ellas fazem e onde estão; as socegadas inspiram tal confiança, que nem sequer n’ellas se pensa. O meu coração é um modelo de serenidade.

— Então ainda nenhum cavalleiro errante ou trovador...

— O sitio é pouco abundante em heroes. O unico d’estas immediações, capaz de ferir a imaginação e commover os affectos de uma mulher, é o sr. Joãozinhodas Perdizes; mas esse é um Actéon insensivel, que...

— É verdade — disse Angelo, rindo — lá vi tambem esse javali na venda do Damião Canada. Mas...Não sei que pense, Lena. Eu ainda um dia te hei de dizer umas coisas.

— A mim? A respeito de quê?

— Do teu coração.