desdens e acabaram por me escutar e interrogar tambem com curiosidade. Já uns me lançavam os braços ao hombro, outros formavam circulo em volta de mim, e cêdo fui eu a principal personagem d’aquella noite. Essa creança...
— Era Magdalena; adivinhal-o-hia agora, se já o não soubesse. Não podia deixar de ser ella — exclamou o herbanario, com um fulgor de sympathia a illuminar-lhe o olhar. — Era ella; sempre assim foi!
— Era. Esta scena pueril teve uma grande influencia no meu espirito. Hoje ainda, se penso n’ella, acho-a de uma grande significação moral. Pois não é mais apreciavel n’uma creança esta prova de superioridade de caracter, do que nas idades em que muitas vezes a razão e o calculo a impõem a uma indole naturalmente pouco generosa? Alli era tudo espontaneidade. Desde então a adoro.
O herbanario parecia não ter já animo para sorrir.
— Agora vejo por que trouxeste da cidade aquella grande tristeza. Tão novo!
— É verdade. Foi esse o motivo. Magdalena foi sempre para mim affavel; inclinava-se sobre o livro em que me via estudar, corrigia, sorrindo, os defeitos da minha educação aldeã, e, se reconhecia progressos no discipulo, manifestava uma alegria que era para mim o maior incentivo e o maior premio. Fiz os exames. Quando voltei a casa, Magdalena com certo ar de gravidade, que aquella creança já então tomava, perguntou-me, no meio de uma conversa propria de creanças: «E sente-se com genio para ser padre, Augusto?» Já me não lembro do que lhe respondi. Trouxe porém commigo aquella pergunta; trouxe-a para a solidão da minha aldeia. Procurei cerrar os ouvidos á voz interior, que desde então m’a repetia sempre, até junto da cabeceira de minha mãe, cuja maior aspiração era, como sabe, vêr-me padre. Mas em vão! foi desde então uma dúvida constante com que luctava. Com a morte de