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— E sabe de certo, por experiencia do mundo, que para homens como eu, a indifferenca, a frieza e os desdens redobram o ardor da paixão.

— Sim; já li isso n’um romance.

— A prima tem sido para commigo de uma crueldade revoltante, mas pouco sincera. Eu resignava-me a soffrer, porque um resto de ingenuidade que me ficou dos quinze annos, illudia-me na interpretação de taes resistencias. Tive a puerilidade de a suppôr uma mulher de excepção; pouco me faltou para a divinisar. Estava reservado para esta memoravel noite de Natal o desengano.

— Ah! então parece-lhe...

— Que a prima representa admiravelmente o seu papel. Pode gabar-se de ter illudido um homem habituado ás scenas da comedia social.

Magdalena respondeu, com um tom de voz cheio de severidade e de nobreza:

— Tenho-o estado a escutar, sr. Henrique de Souzellas, sem que eu propria bem saiba o que me retem aqui: se é a compaixão que me inspira a profunda doença moral de que o vejo tomado, se a curiosidade de saber a que tendem todos esses arrazoados. Vejo-o inclinado a imaginar que por um facto, que a sua pouco delicada indiscreção preparou, eu ficarei de hoje em deante á mercê da sua generosidade. Conhece-me muito pouco, sr. Henrique! Ainda quando esse facto não pudésse ter uma explicação natural, e que me não repugnará declarar quando quizer, saiba que tenho orgulho de mais para arrostar com tudo, até com a calumnia, de preferencia a resignar-me ao menor predominio que me seja odioso.

— Bravo!

— Saiba mais, sr. Henrique de Souzellas, que se eu não lhe fizesse a justiça de acreditar que d’esses seus actos e palavras não é absolutamente irresponsavel talvez a má influencia da ceia d’esta noite, bastariam elles para me inspirarem por si e